Santuário de Fátima rejeita intenção de despedir trabalhadores
A diminuição da afluência de peregrinos ao santuário, que chegou a atingir os 95%, justificou a adesão a um “plano de reestruturação interna” que incluía a previsão de despedimentos de até meia centena de funcionários do Santuário de Fátima. A decisão caiu mal no seio da Igreja que recusa agora falar em despedimentos mas em saídas por reforma ou por não renovação de contratos.
O Santuário de Fátima rejeita a intenção de despedir trabalhadores. Numa conferência de imprensa que marcou o encerramento da reunião da comissão permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o porta-voz do organismo representativo dos bispos portugueses, Manuel Barbosa, garantiu que todas as futuras saídas de trabalhadores estão relacionadas com reformas ou não renovações de contratos. “Não se trata aqui de despedimentos, como tem sido dito nalguns sectores, mas de enfrentar os próximos tempos através de reformas, ou da sua antecipação, de acordos mútuo ou outros processos que venham ao encontro dos funcionários, sempre por iniciativa deles"”, declarou aquele responsável, para concluir: “Portanto, não há despedimentos, apenas um processo de gestão e de reorganização da vida do santuário”.
Na passada semana, o Santuário de Fátima anunciou em comunicado um “plano de reestruturação interna” que visava reduzir os “custos fixos” e que incluía a diminuição de postos de trabalho, resultado de quebras na presença de grupos organizados no recinto “superiores a 95%”. As cerimónias do 13 de Maio, de resto, realizaram-se este ano, aliás, sem a presença de fiéis. Sem falar em números concretos quanto à redução de postos de trabalho, a porta-voz do santuário, Carmo Rodeia, explicara então que os trabalhadores haviam sido convidados a reflectir sobre a respectiva situação contratual “de forma voluntária”. E, apesar de ter considerado então ser prematuro falar em números concretos, aquela responsável garantira que não chegariam a “meia centena” os postos de trabalho a eliminar, num universo total de 308 funcionários.
Mas o anúncio criou algum mal-estar dentro da Igreja Católica em Portugal, com muitos a considerarem em surdina que a Igreja “não pode ser a primeira a despedir pessoas” num cenário de crise social e económica como a que se vem instalando a reboque da pandemia. Esta terça-feira, dizendo-se “em sintonia” com os responsáveis do santuário, o porta-voz da CEP veio sublinhar que o mesmo “continua com sustentabilidade económica” e que os respectivos trabalhadores continuam a ser remunerados, sem recurso ao “lay off”.
O referido plano de reestruturação visa antecipar o expectável impacto da crise nos anos vindouros. Neste quadro, e sublinhando que nenhuma das 24 demissões de funcionários já registadas em 2020 configurou extinções de posto de trabalho, Manuel Barbosa reiterou que “serão feitos todos os esforços para encontrar soluções que não impliquem despedimentos”.
Quanto às contas do santuário, que não são tornadas públicas desde 2006, por decisão do Conselho Nacional do Santuário de Fátima, que gere as relações entre a CEP e o santuário, Manuel Barbosa voltou apenas a lembrar que são auditadas por uma entidade externa, mantendo-se assim a incógnita quanto às perdas financeiras decorrentes das quebras dos donativos e nas visitas ao santuário.
Renascença sem despedimentos
A crise económica e financeira decorrente da pandemia tem afectado a Igreja em diversas frentes. No Grupo Renascença Multimédia, cujo capital é detido pelo Patriarcado de Lisboa e pela Conferência Episcopal Portuguesa e que encerrara, no início do ano, a Rádio Sim, a possibilidade de haver despedimentos parece posta de parte, mas o presidente do Conselho de Gerência do grupo, o bispo D. Américo Aguiar, reconheceu, em declarações ao PÚBLICO, que a empresa já ultrapassou os quatro milhões de exercício negativo. “Isso significa que estamos a ir ao osso do que são as nossas esperanças e reservas. Desde que pagámos o último salário e subsídio de férias, passámos a viver a 100% com dinheiro do banco”, declarou o responsável de um grupo que, além das rádios Renascença, RFM e Mega Hits, inclui uma empresa de publicidade (Intervoz) e outra de organização de eventos (Genius y Meios).
Só em salários, a empresa tem uma despesa mensal a rondar os 800 mil euros, num universo de perto de 250 trabalhadores, de acordo com Américo Aguiar. No pico da pandemia, a quebra nas receitas de publicidade aproximou-se dos 80%, tendo deixado de bastar para suportar as despesas correntes. “As coisas melhoraram entretanto, mas continuamos abaixo dos 50%”, acrescentou aquele responsável, deixando, ainda assim, um compromisso: “Decidimos que o grupo iria tentar sobreviver à pandemia sem transferir para os seus trabalhadores qualquer ónus negativo, em termos de despedimentos, e por isso é que não recorremos a cortes nem ao lay off e os trabalhadores têm recebido os seus salários com normalidade”. E num cenário de travagem a fundo da economia, por causa de uma eventual segunda vaga? “Já sabemos que os media são os parentes pobres da coisa. Se isso acontecer, vamos outra vez ao fundo, mas vamos todos juntos”, porque “a Igreja tem de ser a última a recorrer a despedimentos”.
A carestia económica na Igreja teve outras manifestações. No final de Abril, a Diocese do Porto recorreu ao lay off para colaborares e elementos do clero, numa decisão que o ecónomo Samuel Guedes justificou na altura com a queda abrupta nas receitas devido ao estado de emergência ditado pela pandemia e que levou a Igreja em Portugal a suspender as missas presenciais, entre meados de Março e o início de Maio. Actualmente, o padre Samuel Guedes, que não consegue precisar quantos funcionários estiveram em lay off, garante que “a situação está normalizada”, sem que tenha havido necessidade de dispensar funcionários.
A diocese do Porto não foi a única a recorrer àquele mecanismo, criado para ajudar as empresas a manter os postos de trabalho, num contexto de paralisação da pandemia. No início de Maio, a diocese do Algarve colocou também em lay off vários trabalhadores, sendo que nenhum deles eram membro do clero, mas secretários paroquiais ou funcionários de museus, cujas portas tinham sido igualmente encerradas. O mesmo acontecera na diocese dos Açores.