Sensibilidade e bom senso
Tendo como propósito tudo fazer para garantir que os nossos alunos mantêm a escolaridade presencial, uma das medidas a equacionar deveria ser a manutenção tendencialmente obrigatória do teletrabalho para todas as actividades que o permitissem. Ao retirar-se parte da população dos transportes públicos e dos seus locais de trabalho , está-se a diminuir consideravelmente o risco de propagação do vírus pela comunidade.
Há alguns dias assisti a uma entrevista feita a um dos comentadores políticos portugueses mais antigos, lidos e ouvidos, durante a qual, quando perguntado pelo segredo para a sua longevidade como cronista, o mesmo dizia que tal segredo poderia residir no facto de fazer afirmações essencialmente assentes no senso comum. O dicionário define senso comum como o “conjunto de opiniões ou ideias que são geralmente aceites numa época e num local determinados”. Embora não obrigatoriamente, o senso comum apresenta similitudes com o bom senso, sendo este definido como “o equilíbrio nas decisões ou nos julgamentos em cada situação que se apresenta” (ambas as definições no dicionário on-line da Priberam). Algo simplisticamente, pode, pois, afirmar-se que, numa dada sociedade, seria desejável que a maioria das pessoas tivesse uma opinião equilibrada sobre os problemas mais importantes que a afectam, desse modo alcançando-se as melhores e mais sensatas soluções para os resolver. Fácil de dizer.
Vem isto a propósito do regresso às aulas de milhares de estudantes em tempos de incerteza por causa do eventual (e mais que certo) recrudescimento da doença SARS-COV-2 durante os próximos meses. Sobre o assunto, tenho como certo que o regresso presencial às aulas deve ser privilegiado em detrimento de todas as outras actividades e que num contexto em que a disseminação da doença é a principal ameaça à vida em sociedade, o regresso presencial à escola em todos os seus graus e formas deve condicionar tudo o resto. Porquê? Porque, pensando no futuro do país – e não há como não devermos pensar no futuro do país –, devemos colectivamente proteger tanto quanto possível as crianças e jovens em idade escolar, dando-lhes condições para aprenderem da forma mais normal e tranquila possível, com isso tentando salvaguardar as competências necessárias ao seu futuro e, por consequência, ao futuro colectivo.
Ora, sem prejuízo da evolução do conhecimento em cada momento, a fazer fé no que as entidades nacionais e internacionais competentes têm dito, pode afirmar-se que (i) a disseminação massiva do vírus em contexto escolar não está provado, (ii) importa, ainda assim, instituir os mecanismos de protecção conhecidos (lavagem das mãos, máscaras e distanciamento social q.b.), (iii) a aprendizagem presencial apresenta inúmeras vantagens sobre a aprendizagem à distância, (iv) o confinamento dos alunos importa muitas consequências negativas, designadamente ao nível da aprendizagem, da socialização, das necessárias faltas ao trabalho dos respectivos encarregados de educação e do esforço desumano que estes são chamados a fazer para acompanhar as necessidades lectivas dos seus educandos.
Foram, ainda, evidentes e amplamente difundidas as queixas desses encarregados de educação, os quais, chamados a acompanharem os seus filhos nos estudos em casa, tiveram simultaneamente de manter a muito custo sua actividade profissional ou, em certos casos, suspendê-la usando as possibilidades legais de apoio à família. Assim como se tornou evidente a brutal diferença entre os diferentes níveis sociais, com a evidente penalização dos alunos mais desfavorecidos que não tiveram (nem terão a breve trecho) acesso às condições logísticas e aos meios tecnológicos necessários para uma correcta aprendizagem à distância, numa espiral negativa que só tenderá a acentuar-se caso a aprendizagem à distância se instale novamente.
Isto dito, numa altura particularmente exigente do ponto de vista das medidas de política a adoptar, parece de meridiana sensatez que quem nos governa privilegie um conjunto de medidas que salvaguarde tanto quanto possível os interesses da sociedade (e não apenas a curto prazo), sem descurar a saúde pública, sabendo que qualquer medida comporta vantagens e desvantagens. Nessa senda e tendo como propósito tudo fazer para garantir que os nossos alunos mantêm a escolaridade presencial, uma das medidas a equacionar deveria ser a manutenção tendencialmente obrigatória do teletrabalho para todas as actividades que o permitissem. As razões parecem evidentes: ao retirar-se parte da população dos transportes públicos e dos seus locais de trabalho (muitos dos quais não reúnem sequer condições para adoptar as medidas de protecção adequadas), está-se a diminuir consideravelmente o risco de propagação do vírus pela comunidade. Acresce que muita dessa população tem filhos em idade escolar, o que, simultaneamente, significa que, instituindo-se o teletrabalho, estar-se-ia a proteger esses filhos, salvaguardando a propagação do vírus pelos demais alunos, desse modo evitando-se contágios em cadeia.
Antecipo que se diga que esta medida não seria suficiente nem tão pouco faria diferença dado que o peso dos trabalhadores que podem desempenhar as suas funções em regime de teletrabalho (e que são pais de alunos) é diminuto face a todos os demais. Porém, o argumento parece esquecer que, no contexto actual e com excepção do confinamento obrigatório total e absoluto – por definição impossível –, não existe uma medida que, individualmente considerada, seja capaz de travar por completo a propagação do vírus. Trata-se, pois, de mitigar a sua dispersão.
Embora existam muitas empresas a manter o teletrabalho pelo menos parcialmente, a falta de uma indicação governativa clara e inequívoca contribui para uma falsa sensação de normalização da vida profissional quando o contexto é ainda de clara anormalidade. Pelo contrário, a imposição de uma regra que visasse as empresas adoptarem o teletrabalho constituiria uma óbvia medida de protecção colectiva com vista, entre outros efeitos, a ajudar a salvaguardar a manutenção de um ambiente escolar presencial, algo que, a meu ver, deveria ser a todo o custo tentado.
Volto ao princípio: o senso comum diz-me que a adopção de medidas restritivas da circulação para todos os trabalhadores que possam exercer as suas profissões em regime de teletrabalho constituiria mais uma forma de protecção e salvaguarda da colectividade, neste caso especificamente dos estudantes, com a finalidade de lhes permitir uma aprendizagem presencial e tão normal quanto possível. Salvo melhor opinião, parece-me que seria uma medida sensata, embora difícil e não isenta de custos, desde os pessoais para cada um desses trabalhadores, aos económicos para todas as actividades económicas que dependem do movimento pendular diário dos milhares de trabalhadores sobretudo nos centros urbanos. Não estamos, todavia, numa época normal da nossa vida colectiva, pelo que há que antecipar possíveis problemas futuros e, nesse sentido, creio que manter o trabalho presencial com tudo o que o mesmo implica, entre deslocações em transportes públicos e inúmeros contactos entre pessoas, seja uma medida errada tendo como pressuposto que tudo deveria ser feito para privilegiar a escola presencial.