Governo considera “inacreditável” dono de casa de apostas na SAD do Feirense

Secretário de Estado da Juventude e Desporto quer ver responsabilizadas “todas as partes” que permitiram a violação da lei portuguesa e está a estudar alterações ao regime jurídico das sociedades desportivas.

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Kunle Soname está à frente da SAD do Feirense Manuel Azevedo

O Governo quer apertar o controlo aos investidores no futebol português e impedir que se repitam situações como que permitiu a Kunle Soname, dono de uma plataforma de apostas desportivas online, presidir em simultâneo a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) do Feirense. Em entrevista ao PÚBLICO, João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto, qualificou o caso como “inacreditável”.

Numa clara violação da lei portuguesa, o milionário e empresário nigeriano, que detém a Bet9ja – uma das maiores casas de apostas online africanas – manteve-se à frente da SAD do Feirense (que milita na II Liga profissional), como foi revelado por uma investigação do PÚBLICO, publicada no início de Agosto.

“A melhor maneira de prevenir situações destas é através da responsabilização de todas as partes [que permitem que as mesmas ocorram]. Muitas vezes existe regulamentação que não é adequada e outras vezes que não é cumprida”, defendeu João Paulo Rebelo, admitindo que algo falhou no caso do Feirense. “Há uma falha e tem de ser colmatada essa falha. Ou com fiscalização ou com melhoramentos na própria legislação.”

Na situação que envolve a SAD do Feirense, trata-se de um tipo específico de incompatibilidade acautelado na lei – a legislação é clara De acordo com o artigo 16.º do regime jurídico das sociedades desportivas (Lei 101/2017, Artigo 16.º, alínea C), “não podem ser administradores ou gerentes” nestas sociedades “quem possua ligação a empresas ou organizações que promovam, negoceiem, organizem, conduzam eventos ou transacções relacionadas com apostas desportivas”.

Em resposta à investigação do PÚBLICO, a SAD do Feirense admitiu esta situação, mas desvalorizou-a. “É verdade que o senhor Kunle Soname tem interesses na casa de apostas online Bet9ja e que desde 2015 é presidente do conselho de administração da CD Feirense SAD [depois de adquirir 70% do capital social ao clube]”, referiu o organismo, em comunicado. A SAD assegura ainda que o empresário nigeriano “nunca foi administrador de facto e nunca exerceu a gestão da CD Feirense SAD, nem nunca foi designado como administrador executivo da CD Feirense SAD, pois a sua presença em Portugal é esporádica.”

Apesar desta situação, a SAD continua a conseguir licenciar-se nas competições profissionais da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) – para o fazer já terá prestado falsas declarações sobre as ligações do presidente da SAD à operadora de apostas na Plataforma da Transparência da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Após a publicação desta investigação, a Liga solicitou a abertura de um processo de inquérito ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

A SAD do Feirense alegou ainda que Kunle Soname “não é accionista da Tavistock”, a sociedade que detém a participação de 70% na SAD, “nem sequer seu beneficiário efectivo”. Mas é o próprio Kunle Soname que se congratula por ter adquirido a SAD nas várias entrevistas em que abordou o assunto na comunicação social nigeriana, onde é também apresentado como dono da Tavisstock Global Resource Ltd.

Sector de risco

A inclusão do futebol na lista de sectores com maior risco de práticas de branqueamento de capitais e/ou financiamento ao terrorismo pela Comissão Europeia, em 2019, torna mais urgente para o Governo português um reforço da regulamentação, como recomendam os organismos internacionais.

“Pedi ao Instituto Português do Desporto e Juventude [IPDJ] para fazer uma avaliação daquilo que é a actual legislação, particularmente do regime jurídico das sociedades desportivas, até ao final do mês de Agosto. Houve um pequeno atraso, mas está a ser ultimada”, avançou João Paulo Rebelo.

“Antes de alterarmos seja o que for é conveniente haver uma análise. Vou depois iniciar um processo de conversações com alguns dos parceiros desta área do desporto no sentido de poder ser alterada”, esclareceu ainda, referindo que os “factos mais recentes” têm antecipado essa necessidade. “O futebol envolve muito dinheiro e há muito que não é escrutinado. Isso atrai e potencia a actividade criminosa que temos de combater.”

“Gosto de olhar para as ligas profissionais de futebol em Portugal e ver clubes cumpridores dos procedimentos, da lei, das regras, do fair-play financeiro, e que tudo isso aconteça dentro do quadro da maior transparência possível. Justamente porque, nos últimos tempos, temos percebido que não é exactamente isso que está a acontecer, há necessidade de alterar a legislação”, sublinhou o secretário de Estado, sem querer “generalizar”.

O governante admite que os casos que têm sido denunciados publicamente colocam em causa a “verdade desportiva”, mas realça que “tem havido um esforço e um caminho feito nos últimos anos por parte dos organizadores, neste caso da Liga e da FPF, para uma cada vez maior transparência”.

Rejeita ainda que tenha havido alguma “complacência” ou “passividade” do Governo em relação ao futebol. “Respondo apenas por este Governo e não há nenhuma complacência ou passividade, antes pelo contrário. Tem sido demonstrado com iniciativas legislativas.”

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