De mãos dadas com os direitos? Percepção de segurança em espaço público por pessoas LGBTQI+

Apesar dos importantes passos legais dados no sentido da igualdade de direitos, pessoas LGBTQI+ em Portugal relatam níveis elevados de medo em espaço público. As consequências pessoais e profissionais e impacto directo na saúde são evidentes.

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Nelson Garrido

Portugal foi eleito “o destino mais gay friendly do mundo” (ex-aequo com a Suécia e o Canadá) pelo Spartacus Gay Travel Index 2019. No LGBTI Survey de 2020 (da FRA), destaca-se como um espaço de aceitação com o menor número de ataques motivados por orientação sexual ou identidade de género.

Estes resultados estão alinhados com os dados empíricos recolhidos pelo projecto europeu CILIA Vidas LGBTQI+, que estuda desigualdades vividas por pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, queer e intersexo em quatro países europeus, entre eles Portugal. Entrevistas realizadas em Portugal com pessoas LGBTQI+ dos 32 aos 50 anos revelam que existe uma percepção geral de melhoria legal e social. Há, também, o reconhecimento de uma maior visibilidade mediática de orientações sexuais e de identidades de género não normativas, como as de pessoas trans e não binárias, com um reflexo positivo nas gerações mais jovens.

No entanto, a sua percepção de segurança em espaço público não parece estar alinhada com este contexto. O projecto CILIA, tal como o LGBTI Survey, mostra que Portugal está abaixo da média quando se trata de “ser abertamente LGBTQI+”. Participantes do projecto corroboram isso mesmo ao mencionar que sofreram ou testemunharam discriminação e violência, o que os leva a manter o silêncio sobre a sua identidade em espaço público. A estratégia é não ser lido como LGBTQI+, procurando a discrição, auto-vigiando a sua linguagem verbal e corporal e mantendo uma imagem pública de conformidade com a norma.

Cada demonstração de intimidade é ponderada tendo em conta o contexto envolvente, e isso faz com que apliquem múltiplas práticas preventivas de assédio e de outras formas de violência, como evitar andar de mãos dadas, alterar percursos ou ajustar a sua expressão de género. Pessoas que participaram referem ter um conhecimento claro dos seus direitos formais. No entanto, avaliam sempre onde estão e quem está por perto, evitando a todo o custo passar por experiências desagradáveis e potencialmente violentas. Dessa forma, dão conta de uma persona pública que se move e fala de forma diferente da que apresentam em ambientes privados, dependendo do contexto e da percepção imediata de (in)segurança.

Importa ressaltar dois pontos: 1) algumas destas experiências negativas podem não constituir situações previstas na lei, tornando fútil o recurso às autoridades; 2) invisibilidade produz mais invisibilidade e a pouca presença de expressões públicas de afecto por pessoas LGBTQI+ e a falta de diversidade em espaços de sociabilidade resultam em mais silêncio e na reafirmação do domínio normativo, que fazem da rua um espaço de constante temor.

Apesar dos importantes passos legais dados no sentido da igualdade de direitos, pessoas LGBTQI+ (32-50 anos) em Portugal relatam níveis elevados de medo em espaço público. As consequências pessoais e profissionais e impacto directo na saúde são evidentes, com vários participantes a indicarem sofrer de ansiedade e/ou de depressão. A raridade de discriminação e violência explícitas contrasta com o stress diário causado por formas subtis de violência, o que levanta questões importantes quanto ao âmbito da legislação existente em Portugal. Responsáveis por políticas e legislação devem tomar nota dessas situações e conceber medidas concretas que não sejam apenas direccionadas a manifestações mais visíveis, mas também capazes de combater o efeito das manifestações suaves.

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