UE prepara-se para deixar Lukashenko escapar às sanções e ele aumenta a repressão
Uma líder da oposição foi raptada, mais de 600 pessoas foram detidas e centenas dizem ter sido espancadas por homens armados com bastões. “Existe uma lacuna entre a retórica da UE e as suas acções”, diz o analista Nigel Gould-Davies ao PÚBLICO.
Um mês após as eleições presidenciais de 9 de Agosto na Bielorrússia que levaram aos maiores protestos de sempre no país, Maria Kolesnikova, uma das principais figuras da oposição, foi apanhada nesta segunda-feira numa rua de Minsk por homens não identificados e levada numa carrinha para parte incerta, no mesmo dia em que grupos de homens de cara tapada, sem identificação, circulam pela cidade com bastões a bater em pessoas.
No fim-de-semana, o regime bielorrusso deteve mais de 600 manifestantes, em mais um sinal claro de que a repressão está aumentar. Apesar disso, a União Europeia, que está a ultimar as sanções a figuras do regime, prepara-se para deixar de fora da lista de 31 personalidades o Presidente Aleksander Lukashenko, segundo a Reuters. A ideia é preservar o canal de comunicação com o autocrata, explicaram fontes diplomáticas à agência noticiosa.
Logo após o anúncio dos resultados das eleições presidenciais, consideradas fraudulentas pela oposição - e não reconhecidas pela UE - foram detidas mais de 6000 pessoas e surgiram relatos de tortura nas prisões de Minsk. “Nessa altura, a UE fez declarações fortes e claras, com uma linguagem mais forte do que a que vimos no passado”, sublinha ao PÚBLICO Nigel Gould-Davies, analista do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IISS) e ex-embaixador britânico em Minsk. No entanto, com a demora em aprovar as sanções prometidas uma semana após as presidenciais, Bruxelas tem sido criticada pela inacção.
“Existe uma lacuna entre a retórica da UE e as suas acções. É pouco provável [que as sanções] tenham um efeito significativo e que mudem o comportamento do regime, que não as vai levar a sério, sobretudo porque excluem Lukashenko”, afirmou Gould-Davies, comentando a notícia avançada esta segunda-feira pela Reuters.
Maria Kolesnikova, member of Tikhanovskaya’s Coordination Council is reported to be kidnapped by unknown individuals. #Belarus pic.twitter.com/NecGyoHa3g
— Belarus Free Theatre (@BFreeTheatre) September 7, 2020
#Belarus. Graphic content warning. Unknown men with batons are beating people on the #Minsk streets right now. Firstly, violence is back. Secondly,the legality is being completely ignored - these people look like ordinary bandits,without uniforms. They are breaking shop windows pic.twitter.com/ffKdoGMXUs
— Hanna Liubakova (@HannaLiubakova) September 6, 2020
“As autoridades bielorrussas não serão dissuadidas pelas acções limitadas da UE”, numa altura em que se tem verificado “um aumento da repressão exercida pelo regime”, lamenta o ex-embaixador.
Ataque à oposição
Depois do quarto domingo em que mais de 100 mil pessoas saíram à rua e pelo menos 633 foram detidas e centenas foram espancadas pela polícia e por homens mascarados armados com bastões, Maria Kolesnikova, a última das três mulheres que se juntaram numa candidatura presidencial contra Lukashenko ainda a viver na Bielorrússia, foi detida na manhã desta segunda-feira, apesar de a polícia bielorussa negar o seu envolvimento.
De acordo com o relato de uma testemunha ao portal Tut.By, um dos sites de notícias independentes mais lidos na Bielorrússia, a gestora da campanha de Viktor Babariko – um banqueiro que tentou concorrer às presidenciais, mas que acabou detido e impedido de se candidatar – foi levada numa carrinha por homens mascarados, que atiraram o seu telemóvel para o chão. Desde então, está incontactável, tal como outros membros da sua equipa que, como ela, também fazem parte do Conselho de Coordenação, um órgão criado pela oposição e que tem sido alvo do regime, com interrogatórios e detenções.
Com Svetlana Tikhanouskaia exilada na Lituânia e Veronika Tsepkalo, mulher do ex-embaixador bielorrusso nos Estados Unidos, Valeri Tsepkalo – também ele impedido de concorrer às eleições – na Polónia, Kolesnikova tem sido o rosto mais proeminente da oposição no terreno, assumindo um papel central na mobilização dos manifestantes que saem à rua há um mês.
Recentemente, Kolesnikova anunciou a criação de um novo partido político, o que causou a primeira fractura na oposição, com Tikhanouskaia a afirmar que o Conselho de Coordenação “não deve ser dominado por nenhum partido político” que possa distrair os bielorrussos do principal objectivo: derrubar Lukashenko. No entanto, a gestora da campanha de Babariko reiterou o apoio à líder da oposição, que pretende uma transição pacífica de poder para convocar novas eleições.
Impasse
O desaparecimento de Kolesnikova foi denunciado pela União Europeia, com o chefe da diplomacia, Josep Borrell, a falar em “rapto com motivos políticos”, enquanto Linas Linkevicius, ministro dos Negócios Estrangeiros lituano, exigiu a libertação imediata da opositora de Lukashenko, acusando o regime de “práticas estalinistas”.
Tal como a Letónia e a Estónia, a Lituânia tem exigido medidas mais duras a Bruxelas – que visem directamente Lukashenko – e os países bálticos avançaram mesmo com as suas próprias sanções a Minsk, que incluem o Presidente bielorrusso.
Contudo, escreveu o Le Monde durante o fim-de-semana, em Berlim (que actualmente preside à UE), Paris e Roma prevalece a ideia de que a janela de diálogo com o regime não deve ser fechada para já, daí Lukashenko estar fora da lista de sanções que está a ser finalizada e que não deverá entrar em vigor antes de 22 Setembro, após nova reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE na véspera.
Enquanto permanece o impasse em Bruxelas, apontado por alguns analistas como uma medida de precaução para evitar uma retaliação da Rússia, Lukashenko desloca-se “nos próximos dias” a Moscovo, revelou o Kremlin esta segunda-feira, após vários telefonemas entre os presidentes dos dois países nas últimas semanas.
Segundo Nigel Gould-Davies, a visita será uma “combinação de apoio e exigências” do Presidente russo, Vladimir Putin, que deseja aprofundar a chamada União-Estado, ou seja, a integração de Minsk num espaço económico com a Rússia, numa espécie de confederação, algo a que Lukashenko tem resistido.
“A Rússia deixou claro que vai apoiar Lukashenko e está a criar falsas histórias que o Ocidente está a apoiar revoluções. Putin quer demonstrar [a Lukashenko] o tipo de apoio que está disposto a dar, mas também a que preço o fará. Quer deixar claro o que espera de Lukashenko em termos de políticas que levem a uma maior integração da Bielorrússia na Rússia”, remata o analista do IISS.