Festa do Avante! dá prejuízos desde 2014
O PÚBLICO consultou o saldo contabilístico apresentado pelo PCP à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que ano a ano repete as critícas à falta de transparência da contabilidade comunista.
Ano após ano, milhares de comunistas deslocam-se até à Quinta da Atalaia, no Seixal, para participar na Festa do Avante!, naquele que é o maior evento político do PCP e que durante anos representou a maior fonte de angariação de fundos para o partido. No entanto, nos últimos seis anos, as despesas com a Festa têm ultrapassado em larga escala as receitas obtidas. De acordo com os dados fornecidos pelo PCP à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) consultados pelo PÚBLICO, o pior resultado dos últimos 15 anos foi justamente em 2019. Em véspera de eleições legislativas, aquele que devia ter sido um balão de oxigénio para a campanha partidária comunista acabou por trazer um prejuízo de 564 mil euros aos cofres do PCP.
Na lista de piores resultados nas contas da Festa do Avante! segue-se a edição de 2016. Até então, o maior prejuízo com a Festa do Avante! durante os últimos 15 anos não tinha ultrapassado os 159 mil euros (resultados das contas em 2014). Mas depois de o PCP se ter juntado ao PS na formação da solução governativa à esquerda, eternizada enquanto “geringonça”, os resultados com o evento agravaram-se. Dos 19.500 euros de prejuízo em 2015, ano de eleições legislativas, os prejuízos com a festa no Seixal saltaram para os 492 mil euros em 2016.
No ano seguinte, em 2017, o PCP conseguiu diminuir os prejuízos para quase metade, fixando o saldo negativo nos 289 mil euros. Mas desde então voltou a piorar. O crescente aumento da despesa com a Festa do Avante! não foi acompanhado pelo aumento das receitas e em 2018 os prejuízos com a rentrée comunista ultrapassaram os 362 mil euros.
Antes de 2014, os piores resultados da festa comunista tinham sido registados em 2012, quando os lucros da festa não ultrapassaram os 9.230 euros, um valor muito aquém dos mais de 564 mil euros de lucro conseguidos em 2011, meses depois das eleições legislativas, e que se fixou como o melhor resultado obtido com a Festa do Avante! desde 2005. Depois de 2011, está outro ano eleitoral: em 2009 os lucros com o Avante! atingiram os 507 mil euros. Antes disso, entre 2005 e 2010, os lucros nunca tinham sido inferiores a 250 mil euros.
Contas somam “irregularidades"
No entanto, os prejuízos não são a única dor de cabeça do PCP na altura de fazer contas à Festa. Todos os anos, os relatórios emitidos pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos apontam “incongruências” e “irregularidades” às contas do partido de Jerónimo de Sousa. Apesar dos avisos e indicações dadas pelo Tribunal Constitucional, os “incumprimentos” registados pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos repetem-se sucessivamente.
Além de não detalhar a origem das compras de bilhetes, o PCP também é omisso no que diz respeito à totalidade de participantes que a Festa acolhe e nem em ano de pandemia abriu excepção. Isto porque nas contas que apresenta, o PCP não refere a numeração dos bilhetes vendidos “e também não tem recibos individuais das pessoas que adquiriram os bilhetes”, o que, por pagarem em dinheiro, dificultam a identificação da origem.
“Não existe uma relação entre os valores e o total das vendas de entradas permanentes para a Festa do Avante, não sendo possível aferir, nem pela análise dos recibos, o total de entradas vendidas”, criticava já a ECFP em 2015. Essa é, aliás, uma das dificuldades em estimar qual o número de participantes que por estes dias estarão na Quinta da Atalaia. Apesar da imposição feita pela Direcção-Geral da Saúde de admitir um máximo de 16.563 pessoas em simultâneo no recinto que o partido diz ter capacidade para 100 mil pessoas, ao PÚBLICO, o PCP recusou detalhar qual o número de bilhetes já vendidos, argumentando que parte das entradas permanentes (EP) que estão a ser vendidas desde o último ano correspondem a “gestos de apoio”, formas de apoio financeiro para a realização do evento.
Numa das justificações dadas pelo PCP ao regulador acerca da escassez da informação facultada, o partido explica que “ainda há uma minoria de pequenas estruturas locais que, por razões muito próprias de funcionamento, não fazem o depósito bancário associado à percepção da receita”. Além disso, parte da actividade da Festa do Avante! é feita maioritariamente com recurso a organizações de voluntários e por isso “a exigência de controlo tem de ser equilibrada e ponderada de modo a não desincentivar a militância e a colaboração das pessoas, pelo que existe uma margem de confiança com a qual se trabalha”.
Quantos bilhetes são vendidos? Não se sabe
Não obstante, o regulador insiste que ainda que o custo de um bilhete isente o partido da obrigatoriedade de comunicação de dados, a totalidade dos seus custos é de registo contabilístico obrigatório. Numa decisão do Tribunal Constitucional conhecida em 2016 ― acerca das contas de 2012 ―, o tribunal reconhece “as dificuldades que a lei vigente apresenta para eventos deste tipo”, mas não se convence com as justificações dadas pelo PCP. “Está longe de se demonstrar que é impossível proceder ao controlo contabilístico das receitas e despesas envolvidas na realização” da Festa do Avante!, considera o acórdão, que conclui existir “uma violação do dever de organização contabilística”.
Em 2012, por exemplo, são citados vários exemplos de vendas de Entradas Permanentes [ingressos para a Festa do Avante!] que não identificam os seus compradores de forma clara. Uma das vendas, no valor de 2.25o euros, correspondendo à aquisição de 105 bilhetes, tem o recibo emitido à “Banca – Praia de Santo André”, na autarquia comunista de Vila Nova de Santo André. No relatório de 2017, o regulador considera que “a falta de transparência das contas dificulta o apuramento de outras eventuais infracções cometidas”. Foi também nesse ano que o Parlamento aprovou o fim do tecto máximo para os fundos angariados pelos partidos, resolvendo parte dos problemas contabilísticos associados ao Avante!.
A rentrée comunista ― que é também um festival de música, uma galeria de exposições e um espaço de restauração ― tem outra particularidade. Apesar da sua complexidade, o evento é um evento de angariação de fundos de um partido político e por isso está isento do pagamento de IRC (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas). Além disso, ao contrário dos festivais de música, os bilhetes para a festa comunista são isentos de IVA, uma vez que se inserem no critério de “aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte”, o que quer dizer que a totalidade de vendas dos bilhetes reverte para o PCP.