Tomás Reis, jovem arquitecto português de 29 anos, tem uma visão do que poderá nascer no local da explosão que a 4 de Agosto fez cerca de 200 mortos e provocou mais de seis mil feridos e 300 mil desalojados em Beirute, no Líbano.
O projecto assenta na topografia: linhas concêntricas representam as ondas de impacto da explosão; os declives voltados para a cratera são minerais estéreis (têm betão armado e pedra) e os virados para a cidade são permeáveis, com vida (têm vegetação). Tendo sido baseada em alguns projectos de arquitectura paisagista, esta proposta quer integrar espaços verdes na ferida da cidade, sem deixar esquecer o que ali se passou.
“Estas ondas de choque já não são destrutivas como aquelas que, de facto, rebentaram a cidade, mas que tendem a criar algo novo”, explica o arquitecto sobre a analogia entre o acidente e o memorial. “Quem vir todo o parque de fora vai ver colinas verdes, vai ver vegetação quase natural, quase como se fosse uma redenção do espaço urbano. Quem vir do lado de dentro da cratera verá apenas desolação, mas é absolutamente essa marca que também se quer deixar ali.”
Em entrevista ao P3, Tomás Reis explica que a ideia nasceu de uma “perplexidade com o ritmo de destruição que houve em Beirute” e de uma “reflexão sobre a maneira como alguns eventos são catalisadores de grandes mudanças nas cidades”. Oferece o exemplo do grande terramoto de 1755 em Lisboa, que forçou um novo desenho de toda a Baixa, destacando a importância das decisões tomadas nos momentos que se seguem às catástrofes.
“Há opções que podem ser tomadas: uma delas é reconstruir a cidade como se nada tivesse acontecido, outra é reconstruí-la tendo um ou outro apontamento que recorde o que aconteceu – um memorial como uma peça escultórica numa praça”, sublinha. A opção que Tomás propõe é a de preservar a cratera e o silo em ruínas no coração do projecto, semelhante ao Memorial da Paz de Hiroshima, “em que se optou por manter alguns edifícios devastados pela bomba, uma opção de preservar a memória dessa maneira.”
Para já, tudo isto não passa de uma ideia. A iniciativa solidária desenvolvida pelo jovem português ainda não conta com apoios financeiros ou institucionais, e contactar as autoridades locais libanesas e a câmara municipal poderão ser passos futuros. Tomás expressa também a intenção de incluir no projecto contributos de arquitectos locais.
Faz esta sexta-feira, dia 4 de Setembro, um mês que o acidente causado por mais de 2750 toneladas de nitrato de amónio dizimou a zona portuária da cidade, despoletou uma revolução e uma crise política no Líbano e obrigou milhares a refazerem a sua vida dos escombros que ficaram.
Aquilo que pareceu começar como um terramoto ou ataque terrorista, e mais tarde se revelou produto de negligência da alfândega da capital, veio agravar as condições de um país que já batalhava contra uma crise económica e o surto do novo coronavírus.
As toneladas de nitrato de amónio, que se destinavam a uma fábrica em Moçambique que é propriedade de uma empresa portuguesa, terão sido apreendidas de um navio, confiscado por causa de dívidas, e armazenadas no porto de Beirute durante mais de cinco anos. Face aos protestos por uma mudança de sistema e um assumir de responsabilidades, o chefe do Governo, Hassan Diab, demitiu-se. Enquanto equipas de voluntários tentam limpar o que ficou em ruínas e remendar o que tem salvação, já está a decorrer uma investigação para apurar as causas e os responsáveis da explosão.
Está em curso uma reformulação do Governo libanês, depois da nomeação de Mustafa Adib, ex-embaixador do Líbano na Alemanha, como primeiro-ministro. O Presidente francês, Emmanuel Macron, está de regresso ao país para garantir que há reformas em três meses, ou serão cancelados empréstimos e impostas sanções. Para já, pouco ou nada se sabe dos planos de reabilitação do epicentro da explosão.
Texto editado por Amanda Ribeiro