Morreu Francisco Espadinha, o editor que fundou a Presença
Editou Vergílio Ferreira ou Eduardo Lourenço, Umberto Eco ou George Steiner, e o grande best-seller das últimas décadas: a saga de Harry Potter, de J. K. Rowling. Morreu esta quarta-feira aos 86 anos.
Francisco Espadinha, que morreu esta segunda-feira aos 86 anos, era um dos últimos grandes editores portugueses da sua geração, tendo fundado, há exactamente 60 anos, a Presença, uma das poucas editoras de dimensão relevante que sobreviveu incólume aos anos de concentração empresarial do sector.
Editor de importantes escritores portugueses, como Vergílio Ferreira, Eduardo Lourenço, David Mourão-Ferreira, Ruy Belo, João Miguel Fernandes Jorge ou Vasco Graça Moura, e de grandes ensaístas e ficcionistas internacionais, como Sartre, Günter Grass, Umberto Eco ou George Steiner, para citar apenas alguns, Espadinha conquistou cedo a reputação de possuir um bom faro comercial. Dos vários best-sellers da história da Presença, o conjunto de livros da saga de Harry Potter, de J. K. Rowling será, provavelmente, um dos que a concorrência mais lhe invejará. Mas romances como Os Nós e os Laços, de Alçada Baptista, ou Um Amor Feliz, de Mourão-Ferreira, foram também, à sua dimensão, genuínos êxitos comerciais.
Presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) em dois períodos distintos, nos anos 80 e no final da década seguinte, foi ainda membro da Comissão Nacional da Língua Portuguesa, do Conselho Consultivo do Instituto Português do Livro e da Federação Europeia de Editores.
A Feira do Livro de Lisboa, que se mudou para o Parque Eduardo VII quando Espadinha presidia à APEL, homenageou-o em 2011, a pretexto do cinquentenário da Presença. E Cavaco Silva atribuiu-lhe em 2015 a Comenda da Ordem do Mérito.
Licenciou-se em Direito, mas era um leitor compulsivo e cedo teve o sonho de criar uma editora, tendo conseguido interessar no projecto o livreiro António Barata, cuja livraria Barata, em Lisboa, frequentava no final dos anos 50, e que foi seu sócio na Presença até à sua morte, em 1993.
Fundada em Maio de 1960, quando Francisco Espadinha andava ainda a meio da casa dos 20, a Presença, nome inspirado na revista literária homónima, foi sempre generalista, mas nesses anos iniciais apostou sobretudo no ensaio e no teatro, tendo-se estreado com Kean uma peça de Sartre adaptada de Alexandre Dumas. Molloy, de Samuel Beckett, foi outro dos primeiros títulos do catálogo da nova editora, que pouco depois se destacaria também na poesia, com uma das mais importantes e duradouras colecções do género, a Forma, que se estreou com o então muito popular A Invenção do Amor, de Daniel Filipe, e publicou, além de traduções de Maiakovski, Guillén, Brecht ou Éluard, livros de Ruy Cinatti, Cesariny, Ruy Belo, Armando Silva Carvalho, João Miguel Fernandes Jorge ou Joaquim Manuel Magalhães. E que ainda chegou ao novo milénio com os seus padrões de qualidade intocados, divulgando jovens poetas como Rui Pires Cabral, Jorge Gomes Miranda ou José Tolentino Mendonça.
Antes do 25 de Abril, a Presença nem se enquadrava nas editoras afectas ao regime nem tinha uma linha marcadamente oposicionista, mas não se coibia de publicar autores de esquerda, como Sartre, ou tão incómodos para a moral dominante como Jean Genet. Após a revolução, continuou a investir no ensaio e na Filosofia, e inovou na publicação sistemática dos chamados livros práticos, do xadrez ao artesanato.
Só a partir dos anos 80 a ficção portuguesa e internacional irá tornar-se uma área dominante da Presença. O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder, que inaugurou em 1995 a colecção Grandes Narrativas, ou O Perfume, de Patrick Süskind, são alguns dos muitos sucessos de venda do vasto catálogo da editora, que hoje agrega chancelas como a Manuscrito, a Jacarandá ou a Marcador.
Actualmente gerida por um filho e homónimo do fundador, a Presença é também responsável pela versão portuguesa da deslumbrante colecção literária Biblioteca de Babel, originalmente dirigida por Jorge Luis Borges, e deve-se-lhe ainda uma das melhores colecções policiais das últimas décadas, O Fio da Navalha, que lançou em Portugal autores como Henning Mankell, Philip Kerr ou Donna Leon.