Empresário acusado de fogo posto e morte de inquilino no Porto nega crimes

O fogo terá deflagrado a mando do proprietário do prédio do Porto para conseguir esvaziar o edifício onde ainda residia a sua família – três irmãos e a mãe octogenária. O empresário é acusado de homicídio, fogo posto, extorsão e branqueamento de captais. Há mais cinco arguidos no processo – um deles é a esposa do investidor.

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Paulo Pimenta

O julgamento do empresário acusado de homicídio e fogo posto num prédio do Porto do qual era proprietário começou esta quarta-feira com o principal arguido a negar a autoria do crime e com “várias contradições”. O investidor de nacionalidade chinesa foi ouvido no Tribunal Criminal de São João Novo na presença de mais cinco arguidos. Três deles, de nacionalidade portuguesa, respondem por crimes de homicídio consumado ou tentado e extorsão. A esposa do dono do imóvel e a empresa de ambos são acusados de branqueamento de capitais.

O empresário, em prisão preventiva e a arriscar a pena máxima, está acusado e pronunciado por seis crimes de homicídio qualificado (um consumado e cinco tentados), dois incêndios (um consumado e outro tentado), um de extorsão tentada e outro de branqueamento de capitais.

A morte de um dos inquilinos do prédio aconteceu a 2 de Março, naquele que foi o segundo incêndio no prédio no número 100 da Rua Alexandre Braga, junto ao Mercado do Bolhão, onde residia com mais três irmãos e com a mãe octogenária. Os dois fogos terão deflagrado a mando do proprietário do imóvel para conseguir esvaziar o edifício onde ainda residia a família, no terceiro piso, diz a acusação. O primeiro foi ateado em Fevereiro.

À saída do tribunal, na pausa para o almoço, Luísa Macanjo, advogada da família da vítima mortal - um homem de 55 anos - adiantou que o principal arguido optou por se pronunciar após leitura da pronúncia da acusação. “Começou por dizer que era mentira. Nega a participação naquilo que é o objecto principal do processo, que são os incêndios e as consequências dos mesmos”, afirmou à porta do tribunal aos jornalistas, a quem foi vedado o acesso à sala onde decorria a primeira sessão do julgamento por ter sido considerado não se reunirem as condições de segurança exigidas por força da pandemia. Na sequência desse impedimento, seguiu para o Conselho Superior de Magistratura uma reclamação dos jornalistas.

Presente na sessão, a advogada da família da vítima mortal relatou que o arguido “está a assumir factos evidentes, que são as compras, os negócios e o projecto para o local”.

Já ao fim do dia, ao PÚBLICO, adianta que as declarações do empresário foram pautadas por “várias contradições”, inclusivamente “face ao primeiro interrogatório”. Fazem ainda parte do rol de incongruências a explicação para os contactos com os co-arguidos do processo, na matéria de troca de verbas entre as duas partes e em encontros entre os mesmos intervenientes, nomeadamente em almoços. Garante Luísa Macanjo existirem “localizações celulares que o colocam em vários pontos da cidade em contacto com os co-arguidos”.

Fica ainda por apurar a motivação da compra do edifício. “Numa primeira fase disse que era para fazer um projecto de construção de apartamentos.” Mas a compra do imóvel cedo tornou-se em lucro. “Fez uma compra de 500 mil euros, mas rapidamente vende por 1 milhão de euros”, explica, sublinhando a existência de uma garantia de que o prédio estava “livre de ónus e encargos” no contrato de compra e venda.

Recorde-se que na altura a família da vítima mortal ainda residia no terceiro piso. Nesta primeira sessão, o arguido admitiu ter tentado negociar a saída dos inquilinos da casa. O valor máximo oferecido foi de 40 mil euros, recusados pela família. De acordo com contas feitas pelo Ministério Público, o prejuízo para o empresário caso não libertasse o imóvel até final de Maio de 2019 ascenderia a pelo menos 320 mil euros. Por outro lado, se conseguisse fazer negócio em tempo útil, como aconteceu, lucraria 555 mil euros.

Quanto à situação actual da família, a advogada adianta tratar-se de um “processo complicado a nível emocional”, por estar em causa “a perda de uma vida humana”. “É uma família que perdeu um pai, um filho que ficou sem pai”, reforça. Existem ainda outros danos que advêm do resultado do incêndio. Os familiares da vítima, afirma, estão “sem casa”. O motivo desencadeador de toda esta situação, aponta, é “uma conjuntura motivada pelo dinheiro, pelo lucro fácil, em que a ganância é o móbil do crime”.

Já o advogado do empresário não se quis alongar nas declarações. “Para já é muito prematuro”, afirmou Gonçalo Nabais ao início da tarde à entrada do tribunal, sublinhando estar “tudo a correr normalmente, conforme a lei determina que seja”. Afinado pelo mesmo diapasão, também à hora de almoço, Luís Manuel Silva, advogado de defesa de um dos arguidos acusado pelo crime de coacção, confirmou apenas não ter sido ouvido mais ninguém além do principal arguido. “Ainda mais ninguém falou”.

Foi assim até ao final da tarde, numa primeira sessão marcada por um depoimento “longo e lento”, de acordo com a advogada da família da vítima mortal. A contribuir para isso está a “dificuldade da língua” – o principal arguido tem respondido em inglês, com a ajuda de um intérprete. No primeiro dia do julgamento só a juíza e o Ministério Público tiveram oportunidade de interrogar o empresário. Por força da ocupação desta sala de julgamento nos próximos dias, o julgamento continua a 8 de Setembro no Auditório Municipal de Vila Nova de Gaia.

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