De ameaça em ameaça até à ameaça final
Vale a pena pensar na actuação do PS/Governo nestes três casos e perguntar: padrão ou coincidência?
Sempre que a gestão de um dossier se complica, o Governo e o PS desdobram-se em avisos. Tem razão Catarina Martins quando diz que este “não é o primeiro ultimato sobre crise política”. Arrisco dizer que não será, sequer, o último. E acrescento: até aqui, todos acabaram da mesma maneira e não foram os partidos da esquerda a ceder. Vale a pena recordar três exemplos recentes.
Maio de 2019. No auge do debate parlamentar sobre o descongelamento da carreira dos professores, o primeiro-ministro fez uma comunicação ao país, explicando que a aprovação da medida por parte do PSD, do CDS, do PCP e do BE representaria uma “ruptura irreparável” e comprometeria a “a governabilidade presente” e futura. “Ao Governo cumpre garantir a confiança dos portugueses nos compromissos que assumimos e a credibilidade externa do país. Nestas condições, entendi ser meu dever de lealdade institucional informar o Presidente da República e o presidente da Assembleia de que a aprovação em votação final global desta iniciativa parlamentar forçará o Governo a apresentar a sua demissão”, disse António Costa. Era uma sexta-feira. Durante o fim-de-semana começaram os recuos da direita (Rio chamou-lhes exigências) e no dia das votações confirmou-se que seriam o PSD e o CDS a dar a mão ao executivo.
Fevereiro de 2020. A redução do IVA da electricidade ameaçou, já este ano, juntar todos os partidos contra o Governo. Não houve declarações solenes ao país, mas Carlos César, presidente do PS, abriu a porta à demissão do Governo caso a lei fosse aprovada com condições mais onerosas para o Orçamento de 2020 do que aquelas que o ministro das Finanças estava disposto a aceitar. “Será necessário ponderar seriamente o que fazer”, disse o socialista. O que aconteceu depois já se sabe. Negociações até altas horas da noite terminaram com o PSD a inviabilizar a proposta comunista (chumbaram todas). O partido garantiu “desde o início” que não aprovaria a descida do IVA “sem nenhuma contrapartida”, justificou o deputado Duarte Pacheco.
Junho 2020. Quando o Orçamento do Estado Suplementar (OES) chegou ao Parlamento, Marques Mendes anunciou na SIC que o Governo lhe havia juntado um parecer que era, na verdade, um aviso aos partidos para respeitarem a norma-travão, não aprovando alterações que desvirtuassem o documento, com aumentos da despesa ou descidas da receita. Não foi o mesmo que acenar com uma crise política ou uma demissão, mas a atitude foi recebida por vários partidos como uma tentativa de condicionar os deputados. Resultado: foram aprovadas várias propostas de alteração ao orçamento (como a que veio introduzir mudanças no direito ao subsídio de desemprego e ao subsídio social de desemprego) e algumas delas até foram viabilizadas e propostas pelo PS. No final, o partido que inesperadamente acabou por votar contra o OES foi o PCP. O PSD absteve-se.
Vale a pena pensar na actuação do PS/Governo nestes três casos e perguntar: padrão ou coincidência? A actual legislatura ainda tem mais quase três anos pela frente (e três orçamentos). Não creio que o plano político mais acertado seja ir de ameaça em ameaça até à ameaça final.