O vírus da Desigualdade de Género
A pandemia que estamos a vivenciar e que afeta mais de 160 países veio, mais uma vez, revelar que permanece sobre a mulher o ónus de apoiar a família e de ser a cuidadora natural dos que adoecem, o que evidencia o deficit de uma cultura de partilha do cuidado e das tarefas domésticas em pleno século XXI.
As crises e as adversidades económicas e sociais tendem a agravar as desigualdades e no campo da igualdade entre homens e mulheres, as assimetrias aprofundam-se e cavam um fosso preocupante, em particular nos países em desenvolvimento.
Acontece que, mesmo na Europa não existe imunidade a esse vírus da desigualdade de género, que persiste de forma duradoira, não obstante as políticas e planos europeus desenvolvidos nos últimos anos, mas que claramente não são ainda suficientes para erradicar o mesmo.
A pandemia que estamos a vivenciar e que afeta mais de 160 países veio, mais uma vez, revelar que permanece sobre a mulher o ónus de apoiar a família e de ser a cuidadora natural dos que adoecem, o que evidencia o deficit de uma cultura de partilha do cuidado e das tarefas domésticas em pleno século XXI.
No que tange ao emprego e à educação as mulheres são inexoravelmente as mais severamente afetadas, o que fragiliza a sua autonomização e percurso de desejável qualificação e capacitação.
Aliás, como atesta, o Estudo recente do Fundo Monetário Internacional, intitulado The COVID-19 Gender Gap, com a covid-19 estão-se a agravar as desigualdades de género e são apontados quatro principais motivos para o aumento das diferenças.
O primeiro, deve-se ao facto de maioria dos profissionais que exercem funções nos setores sociais que exigem a interação direta — como serviços, turismo e hotelaria — serem mulheres. Logo, as mulheres são mais atingidas pelas medidas de contenção e distanciamento social.
O facto de mais mulheres do que homens se encontrarem a trabalhar no setor informal nos países em desenvolvimento, onde as mulheres recebem salários mais baixos e não estão protegidas pela legislação laboral, é apontado como outro dos motivos.
O FMI considera como terceiro motivo para o aprofundamento das desigualdades, o facto de as mulheres assumirem mais tarefas domésticas não remuneradas do que os homens – cerca de 2,7 horas por dia a mais. Efetivamente, as medidas de confinamento fizeram aumentar as responsabilidades dos cuidadores familiares, o que implicou que as mulheres se desdobrassem em apoios acrescidos com pais idosos e vulneráveis.
Acresce que, mesmo após as medidas de reabertura do sistema, está documentado que as mulheres tendem a demorar mais para retomar o pleno emprego.
Por último, constata-se no citado relatório do FMI, que as pandemias aumentam o risco de perda de capital humano feminino. Em muitos países em desenvolvimento, as meninas e jovens são forçadas a abandonar a escola e a trabalhar para complementar o rendimento do agregado familiar.
De acordo com o relatório do Fundo Malala Girl’s Education and COVID-19, a proporção de meninas que não vão à escola quase triplicou na Libéria após a crise do vírus Ébola e a probabilidade das meninas retomarem os estudos era 25% menor do que a dos meninos na Guiné. Por seu lado, na Índia, desde que entrou em vigor a quarentena relativa à covid-19, registou-se um crescimento dos acessos aos principais sites de matrimónio na Internet, com mais famílias a procurar casamentos para garantir o futuro de suas filhas. Sem acesso à escola e à educação, essas meninas sofrem uma perda permanente de capital humano, sacrificando o crescimento da produtividade e perpetuando o ciclo de pobreza entre as mulheres.
A ONU estima que a pandemia aumentará em 15,9 milhões o número de pessoas que vivem na pobreza na América Latina e Caribe, elevando para 214 milhões o total de pessoas em situação de pobreza, muitas delas mulheres e meninas.
Aquilo que sabemos e que está estudado, é que a igualdade gera crescimento. Estima-se que a melhoria da igualdade de género na União Europeia (UE) geraria 10,5 milhões de novos postos de trabalho até 2050. A taxa de emprego atingiria quase 80 % e o Produto Interno Bruto (PIB) da UE poderia aumentar em quase 10 % até 2050.
Considero que, a dimensão da Igualdade de Género deve, por isso, ser tida em consideração na conceção e execução de qualquer política pública. A igualdade entre mulheres e homens é um imperativo e um objetivo social em si mesmo, para uma vivência plena da cidadania; constitui um pré-requisito para uma sociedade mais moderna, justa e equitativa e um desenvolvimento sustentável, no respeito pleno da dignidade humana.
É preciso recordar que tal como consagra a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres “o desenvolvimento pleno de um País, o bem-estar do mundo e a causa da paz necessitam da participação das mulheres em igualdade com os homens em todos os domínios”.
E todos sabemos, que as Mulheres são muitas vezes o rosto da resistência, a voz inconformada que pugna por mais justiça e são também elas as primeiras a procurar soluções, e a ter uma visão para o futuro dos seus países, por isso não podemos desperdiçar o seu talento, competências e participação ativa em todos os campos, tal como nos desafia a ONU e a Agenda 2030.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico