Trump aceita nomeação e diz que “ninguém estaria seguro na América de Joe Biden”

Num discurso que durou mais de uma hora, perante mais de mil pessoas, o Presidente norte-americano descarregou uma série de acusações contra o seu adversário, o centrista e moderado Joe Biden, colando-o à extrema-esquerda.

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Donald Trump insistiu na ideia de que uma vitória de Biden iria provocar o caos nos Estados Unidos Reuters/CARLOS BARRIA

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aceitou formalmente a sua nomeação como candidato a um segundo mandato na Casa Branca, na última noite da convenção do Partido Republicano, com um ataque contundente contra o seu adversário, Joe Biden, afirmando que uma vitória do Partido Democrata nas eleições de Novembro iria exacerbar as tensões raciais e as consequências da pandemia da covid-19.

Num discurso proferido a partir dos jardins da Casa Branca, apesar das críticas por usar a residência oficial do Presidente norte-americano como um adereço numa convenção política, Trump retratou Biden – um político com uma longa carreira como centrista e moderado – como um extremista de esquerda que abriria as portas à anarquia nos Estados Unidos.

“Esta eleição vai decidir se protegemos os americanos que cumprem as leis, ou se damos rédea solta aos agitadores anarquistas violentos e aos criminosos que ameaçam os nossos cidadãos”, disse Trump na quarta e última noite da convenção republicana, num discurso que durou mais de uma hora.

“Ninguém estará seguro na América de Joe Biden.”

Apesar de uma pandemia que já matou mais de 180.000 pessoas no país, Trump discursou perante mais de mil pessoas, em frente a dezenas de bandeiras dos Estados Unidos e a ouvir cânticos de “Mais quatro anos” e “USA!”

Na Casa Branca há quatro anos, Trump continua a apresentar-se aos eleitores como alguém que não faz parte do sistema – um argumento que contribuiu para a sua vitória em 2016, quando se candidatou com a promessa de pôr fim à “carnificina americana” e à violência que dizia estar a assolar o país naquela altura.

Propostas de Biden distorcidas

Após dias de protestos anti-racismo na cidade de Kenosha, no estado do Wisconsin, depois de um polícia branco ter disparado sete tiros à queima-roupa e pelas costas contra o cidadão negro Jacob Blake, deixando-o paralisado da cintura para baixo, o Partido Republicano tentou virar a situação a seu favor.

Apontando para os episódios de violência em Kenosha, que resultaram na morte de duas pessoas e deixaram vários estabelecimentos comerciais em chamas, Trump voltou a acusar Biden de querer cortar o financiamento da polícia – uma posição defendida em alguns sectores do movimento anti-racista norte-americano, mas que o candidato do Partido Democrata já disse não apoiar.

À medida que a noite foi avançando, Joe Biden respondeu no Twitter virando o argumento da violência contra o Presidente norte-americano. “Quando Donald Trump disse, esta noite, que ninguém estará em segurança na América de Joe Biden, olhem à vossa volta e perguntem: quão seguros se sentem na América de Donald Trump?”

Ao tentar retratar Biden como uma ferramenta da “esquerda radical”, Trump também distorceu as posições políticas do candidato do Partido Democrata numa série de outros temas, incluindo a imigração, a posse de armas, o aborto e a produção de energia.

“Se lhe derem uma hipótese, ele será o destruidor da grandeza da América”, avisou Trump.

Toda a encenação do discurso, feita para a televisão, marcou uma grande diferença em relação ao discurso de Biden, na semana passada, feito num pavilhão praticamente vazio.

No final, Trump e a sua família assistiram a um espectáculo de fogo-de-artifício, que rebentou sobre o Monumento de Washington e deu ao Presidente norte-americano uma imagem forte para marcar o fim da convenção republicana.

A assistência, sentada em cadeiras brancas praticamente coladas umas às outras, não cumpriu as recomendações dos especialistas em saúde pública e manteve-se em grande proximidade e sem usar máscaras. Mas a campanha de Trump disse que tomou as precauções necessárias, como a medição da temperatura corporal, para organizar o acontecimento nos jardins da Casa Branca.

Numa recordação das divisões no país, a assistência conseguia ouvir alguns sinais dos protestos contra Trump nas proximidades da Casa Branca, e algum desse barulho foi também audível na transmissão em directo.

Culpar o Partido Democrata

Trump, um antigo magnata do imobiliário, está a tentar alterar a imagem de uma campanha marcada por uma crise de saúde que deixou milhões de norte-americanos sem trabalho e matou mais pessoas do que em qualquer outro país.

 A sua candidatura a um segundo mandato acontece também na altura em que o país assiste a uma nova vaga de protestos anti-racismo, depois de mais um encontro violento entre um polícia branco e um cidadão negro. Em Kenosha, no Wisconsin, uma calma relativa regressou às ruas da cidade, após três noites de violência.

No seu discurso, na noite de quinta-feira, Trump repetiu a sua afirmação de que a China é a culpada da pandemia e prometeu aplicar taxas a qualquer empresa que abandone os Estados Unidos para criar postos de trabalho no estrangeiro – uma das raras propostas concretas apresentadas no discurso.

O Presidente norte-americano também prometeu reconstruir aquilo a que os republicanos chamam “a melhor economia” da História e atacou Biden por dizer que encerraria o país se isso fosse necessário para controlar a pandemia da covid-19. De acordo com vários especialistas em saúde pública, o aumento de casos da doença deve-se a uma reabertura antes do tempo nos estados do país.

“O plano de Joe Biden não é uma solução para o vírus, mas sim uma rendição”, disse Trump.

Ainda que a popularidade de Trump permaneça em níveis elevados entre os eleitores republicanos, continua a haver sinais de dissidências no partido. Nas últimas horas, Joe Biden recebeu o apoio de mais de 160 pessoas que trabalharam com o antigo Presidente George W. Bush e com ex-candidatos à nomeação no Partido Republicano, como Mitt Romney e John McCain.

Na noite de quinta-feira, o programa da convenção tentou contrariar essas deserções com um vídeo em que surgiram antigos eleitores do Partido Democrata a dizerem que agora apoiam Trump. E o congressista Jeff Van Drew, que trocou o Partido Democrata pelo Partido Republicano depois de ter votado contra o impeachment de Trump, no ano passado, também fez uma intervenção na quarta e última noite da convenção.

Durante a noite houve vários apelos emotivos, incluindo dos pais de Kayla Mueller, uma norte-americana que morreu após meses de cativeiro na Síria, onde tinha sido capturada por combatentes do Daesh. Os pais de Mueller culpam a Administração de Barack Obama por não ter resgatado a sua filha.

Chegado ao fim o período das convenções dos dois maiores partidos norte-americanos, a campanha entra agora na sua recta final. Biden, que tem evitado estar presente em acções de campanha com muitas pessoas, disse na quinta-feira que deverá passar por vários estados em Setembro, salientando que o fará de uma forma “responsável”.

Trump, que tem visitado vários estados durante a pandemia, também fez saber que vai reforçar os seus planos de viagens durante a campanha.