Especialistas admitem crime fiscal na Belenenses SAD

Sociedade gerida por Rui Pedro Soares considera adiantamentos salariais sem processamento são “prática corrente no futebol”.

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Rui Pedro Soares não reconhece que a Belenenses SAD tenha dívidas ao fisco e Segurança Social LUSA/MANUEL ARAÚJO

A Belenenses SAD defendeu ontem que o adiantamento de salários sem o devido processamento é uma situação normal no futebol português e até em outros sectores de actividade. Em comunicado, a sociedade gerida por Rui Pedro Soares considera que não foi cometida qualquer irregularidade, como sugeria o PÚBLICO na edição de ontem. Especialistas em direito fiscal e auditores discordam.

A posição é unânime: salários adiantados e não processados implicam que não sejam pagas atempadamente verbas ao fisco e contribuições para a Segurança Social. Em causa está uma investigação do PÚBLICO às contas da Belenenses SAD, em que se constata que tem sido prática corrente o adiantamento de vencimentos sem o devido processamento ou sem serem emitidos os respectivos recibos de vencimento.

Uma situação que é assumida nas próprias contas da SAD e sublinhada pelos auditores que as certificaram. “Em 30 de Junho de 2019 [último relatório e contas respeitante à temporada 2018-19], a rubrica ‘Remunerações a Pessoal’ diz respeito a pagamentos efectuados a funcionários [998.810,12 euros], cujo processamento salarial não foi realizado”, como pode ler-se no anexo às demonstrações financeiras. Já anteriormente, nas contas da temporada 2017-18, a administração da SAD assume que “esta situação implica a falta de pagamento de retenções na fonte na AT e de contribuições para a Segurança Social”.

Também no final do exercício de 2017-18, a situação mereceu uma reserva da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Oliveira, Reis & Associados. “Encontra-se em curso um processo de conferência de saldos devedores relacionados com remunerações do pessoal (…), o qual à data do presente relatório [29 de Março de 2019] ainda não se encontra concluído”, como é mencionado no documento de Certificação Legal das Contas (CLC).

Mas, em comunicado, a Belenenses SAD considera não estar em falta com os impostos: “A informação veiculada pelo PÚBLICO sobre o processamento de salários tem como fonte os Relatórios e Contas (R&C) da Belenenses SAD. Os R&C são publicados no nosso site e enviados à AT. A AT nunca ordenou correcções às contas. A Belenenses SAD apresenta todos os anos à Liga de Clubes a certidão da AT e da Segurança Social de situação contributiva regularizada.”

A administração da SAD vai mais longe e diz que esta é “uma prática corrente no futebol (e em outros sectores) que não gera o pagamento de imposto ou contribuição.” Os especialistas têm outra opinião.

“A Lei Fiscal diz que o momento do pagamento do imposto é o momento do pagamento ou colocação à disposição das remunerações [a funcionários ou colaboradores]. Portanto, no momento em que a empresa coloca à disposição de um trabalhador o salário devido, é nesse momento que terá de fazer a retenção na fonte do imposto”, explicou ao PÚBLICO o fiscalista Luís Leon, da auditora Deloitte, sem se referir ao caso concreto da Belenenses SAD.

Opinião partilhada por Joaquim Pedro Lampreia, sócio da área fiscal da sociedade de advogados Vieira de Almeida que, também em termos abstractos, encontra motivos para as empresas, por vezes, recorrerem a este tipo de expedientes. “Normalmente estas situações acontecem quando existem problemas de tesouraria. Poupando nas verbas para a Segurança Social e no IRS, ao adiar o processamento salarial, as empresas acabam por ganhar uma folga na tesouraria”, explicou.

Enquadramento diferente teriam os empréstimos a funcionários. “Se uma empresa não está a fazer um adiantamento de remunerações, mas sim um financiamento (empréstimo), esse financiamento em si mesmo não tem de pagar IRS. Só terá no momento em que, de facto, for feito o processamento salarial”, ressalvou Luís Leon.

Outros especialistas contactados pelo PÚBLICO referiram-se à questão concreta da Belenenses SAD, mas preferiram manter o anonimato. Um deles, auditor e especialista em direito fiscal, considerou que o caso se enquadra no âmbito de um crime fiscal, ao contrário do que defendeu a administração de Rui Pedro Soares, em comunicado.

Este jurista sublinhou ainda que os tribunais fiscais já decidiram há muito que as certidões da AT e da Segurança Social de inexistência de dívidas — que são, por exemplo, entregues na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, para que seja obtido o licenciamento nas competições — servem apenas para cumprir formalidades. Mas, garante, não fazem prova de que os impostos estão em dia.

O PÚBLICO procurou obter reacções junto da AT, do Instituto da Segurança Social e da Liga sobre este assunto mas, até à hora de fecho desta edição, não teve qualquer resposta.

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