A transparência que falta no plano de Costa Silva

Antes de chegar ao Parlamento e ao domínio público, o plano já teve uma primeira ronda de contactos, numa espécie de consulta público-privada. E não se sabe com quem.

A consulta pública do plano elaborado por António Costa Silva já chegou ao fim, cumprindo o propósito anunciado de envolver a sociedade civil. Intitulado de “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, este define em 142 páginas as grandes prioridades do país para os próximos anos e para onde deverão ser canalizados os fundos europeus para recuperar dos efeitos brutais causados pela pandemia de covid-19.

Não é coisa pouca. Se o país conseguir aproveitar os envelopes que vão estar à sua disposição a partir do ano que vem, estão em causa 45,1 mil milhões de euros, distribuídos entre 15,3 mil milhões do fundo de recuperação e 29,8 mil milhões do orçamento comunitário. Junte-se a estes os 12,8 mil milhões que faltam do PT2020, e a possibilidade de Portugal poder ter mais 10,8 mil milhões em empréstimos (com condições preferenciais) ligados ao plano de recuperação, e o montante global sobe para 68,7 mil milhões de euros que poderão ser aplicados ao longo desta década, na sequência de uma recessão nunca vista a nível mundial.

Isto faz com que o plano em causa tenha uma importância especial, e que, diz o Governo, “será tanto mais bem-sucedido quanto maior for a participação e envolvimento dos cidadãos na sua construção”. Aqui, falta ainda saber como é que esses contributos serão utilizados na versão final, e no terreno.

Acontece é que, mesmo antes de chegar ao Parlamento e ao domínio público, o plano já teve uma primeira ronda de contactos, numa espécie de consulta público-privada. E não se sabe com quem.

Logo no início de Junho, o gestor, presidente da Partex (que poucos conhecem, mas que é uma petrolífera detida até há pouco tempo pela Fundação Gulbenkian) e professor do Técnico, foi questionado pelo PÚBLICO sobre se tinha recebido contributos de empresas conhecidas ou grandes, mas ficou sem resposta objectiva. “Estou a contactar as empresas, algumas já manifestaram interesse em falar e vou recolher todos os elementos. Gosto de ouvir muito as visões, as opiniões das pessoas”, afirmou.

Disse ainda que já tinha “recebido muitas solicitações”, que ia “começar a falar com muitas pessoas”, e que a ideia era ser “o mais agregador possível”. Certo. Mas agregar o quê? Ao Expresso, depois das declarações ao PÚBLICO mas ainda antes da apresentação pública, afirmou que “muita gente” tinha pedido para falar com ele, e que tinha “falado com todos: economistas, empresários, parceiros sociais, associações empresariais”. Com todos? Com todos os economistas e empresários? Ou com aqueles que foram escolhidos por si ou que conseguiram entrar em contacto com o gestor – que não tem propriamente um gabinete de portas abertas?

No plano apresentado não estão elencados ou são mencionados os que colaboraram na elaboração deste plano de grandes opções públicas. Nada consta, e isso é uma falta de transparência que não pode existir num projecto deste tipo e que não se coaduna nem com o perfil do autor do plano, nem com os objectivos elencados pelo Governo (e com as boas práticas da aplicação dos fundos comunitários).

Não estamos a falar de uma iniciativa individual, depois aproveitada pelo Governo. Estamos a falar de alguém a quem o Governo – concorde-se ou não – pediu para elaborar um plano para o futuro de todos nós. Já não digo, embora gostasse de ver, que se elenque quem pediu a reunião a quem, quem esteve presente, e quanto tempo durou cada um dos encontros.

O que se pede, no mínimo, é a lista de quem foi ouvido e de quem contribuiu para a versão central, sobre a qual outros vieram agora opinar. E, na fase em que estamos, ainda se vai a tempo de emendar este erro, antes da elaboração do documento final.

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