Três prioridades, ponto final.

Para fazer chegar com rapidez o dinheiro ao bolso dos portugueses é preciso lançar já uma grande infraestrutura pública: parece-me que a ligação ferroviária em alta velocidade Lisboa-Porto será a mais eficiente, mas admito outra opção.

Eu bem sei que a maioria dos contributos e comentários feitos à “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030” – elaborada por António Costa Silva e a cuja apresentação pública no Centro Cultural de Belém pude assistir — vão no sentido de aclarar o que lá está de forma genérica e, sobretudo, de introduzir o que, na opinião de muitos que já se pronunciaram, lá faltará. Nada contra esse exercício: a “Visão” constitui a base a partir da qual será desenhado o Plano de Recuperação a apresentar à Comissão Europeia em outubro, plano esse que será um roteiro para guiar a “bazuca” portuguesa de 57.000.000.000 € (são mesmo nove zeros e lê-se cinquenta e sete mil milhões de euros) de verbas europeias nos próximos anos, razão pela qual todos lá querem meter os seus interesses.

Nada contra, como disse — e, no âmbito das minhas funções de autarca, estou a fazer o mesmo. Mas o que verdadeiramente me preocupa é o resultado global, daqui a dez anos, das opções que agora forem tomadas. Sejamos claros: em 2031 ninguém aceitará justificações para o falhanço de uma injeção financeira deste calibre no nosso país! Este é um daqueles momentos históricos em que o Governo da República tem sob sua responsabilidade o “contrato social” que liga toda a cidadania aos seus representantes: ou a economia portuguesa se sai bem desta injeção, ou o regime democrático nascido no 25 de Abril irá viver em Portugal uma grave crise na década de 30.

Mais do que preocupar-se em chegar a todos, o desafio que se coloca hoje ao primeiro-ministro António Costa é o de ver claro. É saber encontrar formas eficientes — podem não ser ideais no plano teórico, mas têm de ser eficazes — de cumprir três desígnios:

1) injetar muito rapidamente dinheiro na economia (o que não é fácil, mesmo tendo a “bazuca”);

2) colocar mais empresas portuguesas a produzir mais bens e serviços competitivos no mercado global;

3) e dar um impulso decisivo à “agenda verde”, talvez a única área europeia em que Portugal está realmente à frente na nova estratégia de crescimento da União baseada numa economia moderna e eficiente no aproveitamento dos recursos.

Ter dez prioridades é a mesma coisa que não ter nenhuma – e se falarmos em 30 ou 40, pior. António Costa Silva — e muito bem, no âmbito da reflexão abrangente que lhe foi pedida — aponta dez eixos estratégicos de desenvolvimento: o que proponho a António Costa é que ele, enquanto primeiro-ministro, se fixe em três. Três prioridades, ponto final, parágrafo.

Para pensar e executar o resto há ministros e secretários de Estado. E há autarcas e membros de governos regionais. Não é isso que falta: o que faz falta é alguém que pense como é que, do dia para noite, se põem as empresas e as instituições do Estado a executar mais do dobro das verbas europeias que executaram até hoje — passar de cerca de 2.500 milhões de euros por ano para quase 6.000 milhões. Gastar o dinheiro que vai estar disponível não vai ser fácil: vai ser dificílimo! E gastá-lo de forma estratégica — ou seja: criando “clusters” na economia que, ano após ano, década após década, contribuam para o crescimento do PIB (como a Autoeuropa, para dar um exemplo) — vai ser mais difícil ainda.

Para fazer chegar com rapidez o dinheiro ao bolso dos portugueses é preciso lançar já uma grande infraestrutura pública: parece-me que a ligação ferroviária em alta velocidade Lisboa-Porto será a mais eficiente, mas admito outra opção. E é forçoso atrair e financiar um grande “player” industrial internacional, única forma de as PME portuguesas participarem rapidamente, como fornecedores, numa cadeia de alto valor acrescentado – tal como na Autoeuropa.

Nunca, desde o 25 de Abril, um primeiro-ministro teve tanta importância histórica como aquela que António Costa possui hoje. Pelo seu lado, tem a lucidez, a frieza e até o calculismo que lhe atribuem: bem precisa de tudo isso nesta hora! Que tenha a sorte do momento, é o que lhe desejo. Que entre na história.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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