Pescadores de traineira de Vila do Conde com um caso de covid-19 não saem para o mar
Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar defendia que barco deveria ser autorizado a regressar à pesca já esta noite mas armador acabou por seguir a ordem das autoridades de Saúde, que exigem que seja cumprida a quarentena obrigatória.
Os testes à covid-19 realizados a 19 pescadores de uma traineira de Vila do Conde, depois de um companheiro ter sido infectado pela doença, deram resultados negativos, disse ao PÚBLICO o presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, José Festas. Este responsável defende, por isso, que o barco deve sair para o mar já esta noite, embora as autoridades de Saúde recusem essa possibilidade, exigindo que seja cumprida a quarentena de 14 dias. Foi pedida a intervenção do secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro, coordenador do Governo para a região Norte das questões relacionadas com a covid-19.
Durante o dia de segunda-feira, foram realizados 31 testes à covid-19 na associação dirigida por José Festas. Entre estes pescadores estavam 19 membros de uma embarcação da pesca da sardinha, depois de se ter sabido nesse mesmo dia que um vigésimo elemento do Virgílio Miguel estava infectado com o novo coronavírus. Os restantes eram outros elementos da comunidade piscatória, alguns dos quais tinham estado nos estaleiros de Vila do Conde, onde, segundo José Festas, há outros dois casos de infecção. “Os 31 testes deram negativo”, disse ao PÚBLICO José Festas, acrescentando: “Agora o barco tem de ir para o mar, à noite. Já estou a falar com o secretário de Estado Eduardo Pinheiro, porque a Saúde não pode mandar nisto.”
Ao PÚBLICO, fonte da secretaria de Estado garante que Eduardo Pinheiro não vai comentar a situação, mas, numa nota de imprensa, a Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) confirma a intenção de que os pescadores desta embarcação cumpram o período de quarentena de 14 dias, lembrando que as normas em vigor da Direcção-Geral da Saúde indicam que “os contactos de alto risco de exposição devem manter o isolamento profiláctico até ao 14.º dia, após a data da última exposição de risco, mesmo com resultado de teste laboratorial negativo durante o período de isolamento”. A violação do confinamento obrigatório, acrescenta-se, “pode configurar crime de desobediência”. A ARSN indica que vai continuar a acompanhar “a evolução da situação”.
Barco parado há duas semanas
Em Vila do Conde há uma outra embarcação, o José Dinis, parada há cerca de duas semanas, depois de oito dos seus tripulantes terem resultados positivos no teste à covid-19. Desde então que estão de quarentena. Mas este caso é diferente do que está a opor as autoridades de Saúde aos pescadores, insiste José Festas. “O outro barco ainda está parado, porque foi a tripulação toda que foi infectada. Aqui não. Temos um caso, uma embarcação entretanto desinfectada, que esteve parada de domingo para segunda-feira e de segunda-feira para hoje, mas agora não se justifica. A nossa opinião é que o barco deve sair, embora a última decisão seja do mestre”, insiste.
Também Manuel Marques, armador e dirigente da Associação de Armadores de Pesca do Norte, defende que o barco em que há apenas um caso de infecção devia poder sair para o mar. “Não tem lógica o barco ficar parado quando 99% da tripulação deu negativo. O homem pode ter sido infectado em terra, em casa, tudo menos no barco. Além disso, não há refeições a bordo, não há refeitório nem nenhum sítio onde se troca objectos, cada um usa o seu fato, botas e luvas e trabalha-se normalmente ao ar livre. Espero que [as autoridades de Saúde] mudem de ideias, porque não tem lógica o barco ficar parado quando todos os outros pescadores tiveram testes negativos”, diz.
Depois dos receios iniciais com as consequências da pandemia na actividade piscatória, as várias comunidades piscatórias do país conseguiram passar relativamente incólumes pelo período, até agora, mais difícil da doença. Ao PÚBLICO, o secretário de Estado das Pescas, José Apolinário, confirma isso mesmo. “Tivemos um enorme período sem qualquer caso. Mais recentemente, houve um caso numa embarcação polivalente na área de Peniche, mas que foi resolvido após um período de quarentena”, diz.
Associação fez 550 testes
O dirigente, que é também o coordenador regional do Governo para o Algarve nas questões relacionadas com a covid-19, recusa-se a comentar o caso concreto que se vive em Vila do Conde, por estar nas mãos de Eduardo Pinheiro, afirmando apenas, e em termos gerais, que “as regras são fixadas pelas autoridades de saúde”. Sobre o facto de não terem existido mais casos relacionados com embarcações de pesca, realça o esforço feito nesse sentido. “Fizemos testes no início da campanha, acções de informação e sensibilização, foi distribuído equipamento de protecção individual. Houve um grande esforço por parte das pessoas”, diz.
Só na sede da associação dirigida por José Festas foram feitos, logo no início da pandemia, “550 testes”, graças a um protocolo com a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde. Desde então, muitos outros se seguiram, sempre que surgiram dúvidas relacionadas com uma possível infecção. Nas últimas semanas Vila do Conde foi um dos concelhos do país em que a presença da covid-19 fez disparar os alarmes. Depois de um surto numa fábrica de conservas, os números apontavam para a existência de 173 casos activos na semana passada, com maior incidência nas freguesias de Guilhabreu, Mindelo e Árvore, mas também na própria sede do concelho, que inclui a comunidade piscatória de Caxinas.