Montado está a ser invadido por oliveiras, amendoeiras e vinha

Campanha de sensibilização da EDIA para travar o corte de árvores isoladas está a ser aproveitada por um número crescente de olivicultores para levar oliveiras e amendoeiras para o interior de povoamentos de montados.

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Nuno Ferreira Santos
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asm ADRIANO MIRANDA

Para salvar do abate azinheiras e sobreiros, árvores saudáveis e algumas centenárias que se encontram isoladas nos terrenos que passaram do sequeiro para o regadio, a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (​EDIA) avançou com uma campanha de sensibilização, para que fossem mantidas, lembrando que as quercíneas “são compatíveis com culturas de regadio”.

As árvores dispersas pela planície contribuem ainda para o “aumento do teor de matéria orgânica do solo”, são locais de “abrigo, poiso e reprodução de morcegos e aves insectívoras”, determinantes no controle de pragas de insectos, justifica a EDIA. Também dão guarida a aves de rapina, que se alimentam de pequenos roedores que destroem as tubagens de rega, “quebram a monotonia da paisagem” e representam “um ponto na paisagem que faz a diferença”, sintetiza a empresa no vídeo que montou para a campanha de sensibilização. 

De facto, a profusão de sobreiros e azinheiras que passaram a ficar enquadradas no interior de grandes manchas de olival, amendoal e vinha, passou a fazer parte da nova paisagem alentejana em tempo de regadio. E para superar os obstáculos de árvores com maior envergadura no momento das colheitas no olival superintensivo e de pequena dimensão, a EDIA sugeriu que fosse aberta “uma clareira em redor das árvore”, para não afectar o trabalho das máquinas envolvidas na recolha de azeitona, amêndoa ou uva. A sugestão, dadas as circunstâncias, até faz algum sentido. 

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Paisagem em mudança

O problema é que alguns olivicultores aproveitaram a dica da empresa gestora do projecto Alqueva para estender as culturas intensivas ao interior dos povoamentos de montado. E num curto espaço de tempo as populações das aldeias alentejanas que se dispersam pelo território onde foram instaladas as novas culturas de regadio, passaram a assistir atónitas à plantação, na maioria parte dos casos, de oliveiras em locais onde a legislação em vigor interdita tais práticas. Estas intervenções são, por vezes, acompanhadas do abate de azinheiras e sobreiros, ou de intenção de abate como se passou a observar no número de árvores cintadas com uma faixa branca, que significa a intenção de derrube. 

O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) refere que “em povoamentos de sobreiro ou azinheira não são permitidas conversões”. Só são autorizadas quando visem a realização de “empreendimentos agrícolas com relevante e sustentável interesse para a economia local”. E mesmo nesta circunstância, o DL 169/2001 salienta que a “área sujeita a corte não pode ultrapassar o menor valor entre 10% da superfície da exploração ocupada por sobreiros ou azinheiras ou 20 hectares, limite este que deve contabilizar cortes anteriores realizados após Janeiro de 1997 e manter-se válido no caso de transmissão ou divisão da propriedade.”

É óbvio que muitos dos exemplos observados pelo PÚBLICO, a lei não é cumprida e a fiscalização não actua de molde a repor a legalidade. A abertura de camalhões (sulcos no solo para manter elevada a terra que vai receber as árvores) destrói a estrutura e funcionamento das raízes dos sobreiros e azinheiras. As mobilizações de solo danificam ou destroem as raízes, induzindo o stress hídrico e comprometendo a sua sobrevivência.

Impacto dos químicos ainda por avaliar

José Paulo Martins membro da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, refere que “falta ainda aferir a dimensão do impacto que os herbicidas e outros fitofármacos utilizados na desinfestação e adubagem de olivais e amendoais possam vir a ter nos exemplares de quercíneas que são deixados no meio das novas culturas. É um processo que vamos observar a prazo” observa.

A manutenção das árvores isoladas é para o elemento da Zero, um expediente que prolonga a vida das árvores mas impede o processo de regeneração natural. “Com as novas opções culturais deixou de ter lugar” sublinha José Paulo Martins. E explica porquê: “A partir do momento em que se processa a mobilização do solo não há lugar à regeneração natural. E assim quando as árvores que ainda resistem desaparecerem não haverá outras para as substituir”.

Acresce que a manutenção das árvores implica na maior parte dos casos podas agressivas e à margem da lei. Francisco Rodrigues, pequeno proprietário de algumas courelas na freguesia da Trindade em Beja, diz que os olivicultores que assim procedem “querem transformar os sobreiros e azinheiras em pinheiros, levando as árvores a uma morte lenta”.

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O risco das podas radicais

Francisco Lopes, engenheiro silvicultor, que desempenhou funções de chefia dos serviços florestais no Ministério da Agricultura, lembrou ao PÚBLICO que às árvores, ao serem sujeitas a cortes intensos e profundos, são-lhes retiradas “as folhas que são fundamentais para a sua sobrevivência”. Se associamos a esta situação anómala as cicatrizes que são deixadas na árvore, ela fica sujeita à entrada de insectos que transportam doenças. “A árvore não morre num ano, mas está condenada” sentencia o engenheiro florestal: “a floresta do sul não arde como no centro do país, mas vai ardendo sem se ver”, afirma, imputando as causas à redução progressiva da densidade do montado, pormenor que acelera a evaporação da água que se concentra no solo.

Este silvicultor assinala ainda os riscos de substituir uma cultura certa (montado) por outras duvidosas (olival, amendoal). O quer se passa actualmente com a “invasão” de povoamento de montado por culturas permanentes revela o “descaramento e o sentimento de impunidade dos seus autores que até o fazem à beira das estradas” critica Francisco Lopes, que nos últimos dias se deparou com a plantação de uma vinha pelo meio de um povoamento de sobreiros.

Este problema irá prevalecer “enquanto os agricultores não forem compensados para gerir o montado” assinala o membro da Zero, acrescentando que nas actuais circunstâncias “poucos aceitarão fazer a sua preservação, porque plantar olival ou amendoal dá mais rendimento”. O problema maior reside na actuação dos precários, (agricultores que fazem a plantação das culturas intensivas na periferia dos blocos de rega) que “sem qualquer critério ou controlo arrasam manchas e povoamentos de montado, colando as culturas umas às outras” denuncia José Paulo Martins.

Modelo adulterado

O ambientalista recorda que no processo de instalação da 1ª fase do projecto Alqueva prevaleceu “algum critério” na preservação de povoamentos de montado, galerias ripícolas e bosquetes para “manter alguma descontinuidade no modelo monocultural baseado nas culturas intensivas permanentes”, mas o critério então adoptado “tem vindo a ser adulterado”. A actual instalação de mais 50 mil hectares de regadio “vai legalizar o que foi instalado ilegalmente” prossegue o elemento da Zero. 

É visível como boa parte das áreas onde estão a ser instalados os novos blocos de rega já estão ocupados por culturas intensivas. E quanto às alterações que estão a decorrer ao Plano Director Municipal (PDM) em vários concelhos alentejanos onde imperam as culturas intensivas, é preciso "aguardar para constatar em que medida estes documentos de planeamento reagem o novo modelo agrícola de regadio” conclui José Paulo Martins.

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