Montado está a ser invadido por oliveiras, amendoeiras e vinha
Campanha de sensibilização da EDIA para travar o corte de árvores isoladas está a ser aproveitada por um número crescente de olivicultores para levar oliveiras e amendoeiras para o interior de povoamentos de montados.
Para salvar do abate azinheiras e sobreiros, árvores saudáveis e algumas centenárias que se encontram isoladas nos terrenos que passaram do sequeiro para o regadio, a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA) avançou com uma campanha de sensibilização, para que fossem mantidas, lembrando que as quercíneas “são compatíveis com culturas de regadio”.
As árvores dispersas pela planície contribuem ainda para o “aumento do teor de matéria orgânica do solo”, são locais de “abrigo, poiso e reprodução de morcegos e aves insectívoras”, determinantes no controle de pragas de insectos, justifica a EDIA. Também dão guarida a aves de rapina, que se alimentam de pequenos roedores que destroem as tubagens de rega, “quebram a monotonia da paisagem” e representam “um ponto na paisagem que faz a diferença”, sintetiza a empresa no vídeo que montou para a campanha de sensibilização.
De facto, a profusão de sobreiros e azinheiras que passaram a ficar enquadradas no interior de grandes manchas de olival, amendoal e vinha, passou a fazer parte da nova paisagem alentejana em tempo de regadio. E para superar os obstáculos de árvores com maior envergadura no momento das colheitas no olival superintensivo e de pequena dimensão, a EDIA sugeriu que fosse aberta “uma clareira em redor das árvore”, para não afectar o trabalho das máquinas envolvidas na recolha de azeitona, amêndoa ou uva. A sugestão, dadas as circunstâncias, até faz algum sentido.
Paisagem em mudança
O problema é que alguns olivicultores aproveitaram a dica da empresa gestora do projecto Alqueva para estender as culturas intensivas ao interior dos povoamentos de montado. E num curto espaço de tempo as populações das aldeias alentejanas que se dispersam pelo território onde foram instaladas as novas culturas de regadio, passaram a assistir atónitas à plantação, na maioria parte dos casos, de oliveiras em locais onde a legislação em vigor interdita tais práticas. Estas intervenções são, por vezes, acompanhadas do abate de azinheiras e sobreiros, ou de intenção de abate como se passou a observar no número de árvores cintadas com uma faixa branca, que significa a intenção de derrube.
O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) refere que “em povoamentos de sobreiro ou azinheira não são permitidas conversões”. Só são autorizadas quando visem a realização de “empreendimentos agrícolas com relevante e sustentável interesse para a economia local”. E mesmo nesta circunstância, o DL 169/2001 salienta que a “área sujeita a corte não pode ultrapassar o menor valor entre 10% da superfície da exploração ocupada por sobreiros ou azinheiras ou 20 hectares, limite este que deve contabilizar cortes anteriores realizados após Janeiro de 1997 e manter-se válido no caso de transmissão ou divisão da propriedade.”
É óbvio que muitos dos exemplos observados pelo PÚBLICO, a lei não é cumprida e a fiscalização não actua de molde a repor a legalidade. A abertura de camalhões (sulcos no solo para manter elevada a terra que vai receber as árvores) destrói a estrutura e funcionamento das raízes dos sobreiros e azinheiras. As mobilizações de solo danificam ou destroem as raízes, induzindo o stress hídrico e comprometendo a sua sobrevivência.
Impacto dos químicos ainda por avaliar
José Paulo Martins membro da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, refere que “falta ainda aferir a dimensão do impacto que os herbicidas e outros fitofármacos utilizados na desinfestação e adubagem de olivais e amendoais possam vir a ter nos exemplares de quercíneas que são deixados no meio das novas culturas. É um processo que vamos observar a prazo” observa.
A manutenção das árvores isoladas é para o elemento da Zero, um expediente que prolonga a vida das árvores mas impede o processo de regeneração natural. “Com as novas opções culturais deixou de ter lugar” sublinha José Paulo Martins. E explica porquê: “A partir do momento em que se processa a mobilização do solo não há lugar à regeneração natural. E assim quando as árvores que ainda resistem desaparecerem não haverá outras para as substituir”.
Acresce que a manutenção das árvores implica na maior parte dos casos podas agressivas e à margem da lei. Francisco Rodrigues, pequeno proprietário de algumas courelas na freguesia da Trindade em Beja, diz que os olivicultores que assim procedem “querem transformar os sobreiros e azinheiras em pinheiros, levando as árvores a uma morte lenta”.
O risco das podas radicais
Francisco Lopes, engenheiro silvicultor, que desempenhou funções de chefia dos serviços florestais no Ministério da Agricultura, lembrou ao PÚBLICO que às árvores, ao serem sujeitas a cortes intensos e profundos, são-lhes retiradas “as folhas que são fundamentais para a sua sobrevivência”. Se associamos a esta situação anómala as cicatrizes que são deixadas na árvore, ela fica sujeita à entrada de insectos que transportam doenças. “A árvore não morre num ano, mas está condenada” sentencia o engenheiro florestal: “a floresta do sul não arde como no centro do país, mas vai ardendo sem se ver”, afirma, imputando as causas à redução progressiva da densidade do montado, pormenor que acelera a evaporação da água que se concentra no solo.
Este silvicultor assinala ainda os riscos de substituir uma cultura certa (montado) por outras duvidosas (olival, amendoal). O quer se passa actualmente com a “invasão” de povoamento de montado por culturas permanentes revela o “descaramento e o sentimento de impunidade dos seus autores que até o fazem à beira das estradas” critica Francisco Lopes, que nos últimos dias se deparou com a plantação de uma vinha pelo meio de um povoamento de sobreiros.
Este problema irá prevalecer “enquanto os agricultores não forem compensados para gerir o montado” assinala o membro da Zero, acrescentando que nas actuais circunstâncias “poucos aceitarão fazer a sua preservação, porque plantar olival ou amendoal dá mais rendimento”. O problema maior reside na actuação dos precários, (agricultores que fazem a plantação das culturas intensivas na periferia dos blocos de rega) que “sem qualquer critério ou controlo arrasam manchas e povoamentos de montado, colando as culturas umas às outras” denuncia José Paulo Martins.
Modelo adulterado
O ambientalista recorda que no processo de instalação da 1ª fase do projecto Alqueva prevaleceu “algum critério” na preservação de povoamentos de montado, galerias ripícolas e bosquetes para “manter alguma descontinuidade no modelo monocultural baseado nas culturas intensivas permanentes”, mas o critério então adoptado “tem vindo a ser adulterado”. A actual instalação de mais 50 mil hectares de regadio “vai legalizar o que foi instalado ilegalmente” prossegue o elemento da Zero.
É visível como boa parte das áreas onde estão a ser instalados os novos blocos de rega já estão ocupados por culturas intensivas. E quanto às alterações que estão a decorrer ao Plano Director Municipal (PDM) em vários concelhos alentejanos onde imperam as culturas intensivas, é preciso "aguardar para constatar em que medida estes documentos de planeamento reagem o novo modelo agrícola de regadio” conclui José Paulo Martins.