A Polícia de Segurança Pública (PSP) vai apresentar uma queixa-crime contra o PÚBLICO motivada pela ilustração que, esta sexta-feira, faz capa do suplemento Inimigo Público. A intenção foi divulgada na página de Facebook da força policial.

O cartoon do Inimigo Público, o suplemento satírico do PÚBLICO, assinado por Nuno Saraiva, mostra várias personagens com máscaras e tochas, numa referência à acção levada a cabo no último sábado por um grupo nacionalista junto à sede do SOS Racismo, numa iconografia com semelhanças à organização supremacista dos Estados Unidos Ku Klux Klan. Uma das personagens que integra este grupo de manifestantes está vestido com uma farda da PSP, motivo que originou a queixa-crime.

O director do suplemento, Luís Pedro Nunes, não esconde a surpresa com esta decisão da PSP, relembrando o carácter satírico do jornal: “Não estava à espera, ainda para mais depois de uma semana com sintomas graves na sociedade portuguesa, com a manifestação e as ameaças a deputados. Tanta coisa grave a acontecer a nível social e a Direcção Nacional da PSP achou por bem a posição pública de processar um jornal satírico em funcionamento desde 2004 e que nunca teve um processo até hoje.”

A PSP acredita que a reputação e prestígio da instituição foram colocados em causa com o desenho publicado no jornal satírico. “A PSP lamenta a leviandade com que o jornal e o cartoon em questão feriram a boa imagem da instituição e dos polícias que nela servem e protegem os nossos concidadãos”, diz a polícia em comunicado.

Em causa estará ainda a associação da PSP a “um qualquer movimento político-ideológico”, continua a força policial, justificando que esta eventual associação afecta publicamente a “isenção e apartidarismo” que a caracterizam.

“Criminoso é acharem que isto é um crime”

Para o autor do cartoon, “criminoso é acharem que isto é um crime, que um criativo, um jornalista, um opinion maker, um cartoonista não pode ter direito à sua liberdade de expressão”.

Realçando que nem sequer é adepto dos cartoons “mais escatológicos e altamente ofensivos”, o ilustrador português considerou, em declarações à Lusa, que este é até “um cartoon bastante pacífico”. Por isso mesmo, julga “absolutamente exagerado e sem sentido para uma queixa-crime”.

Nuno Saraiva deixa claro que não está minimamente preocupado consigo, mas sim com “o caminho que o país está a trilhar”. “Parece que estamos a dar uma reviravolta para mais de 40 anos atrás, isso é que me preocupa. E o silêncio institucional preocupa-me também”, afirmou, considerando que nos últimos tempos sente que “está tudo muito pesado e esquisito”, uma situação que o “assusta”.

Luís Pedro Nunes considera que esta acção da polícia poderá ter um significado mais profundo a nível social: “Há uma ameaça de processar por um cartoon – e isto aqui é importante. Não é uma notícia, uma difamação, é um cartoon. O primeiro sinal é a intolerância em relação ao cartoon, achar que é uma infâmia, uma ameaça, tem de ser rasgado ou queimado. É o primeiro sinal de que algo está mal na sociedade.”

O director do Inimigo Público relembra que, na manhã desta sexta-feira, o movimento Zero apelou à Direcção Nacional da PSP para agir face à capa da edição desta sexta-feira. “É uma coisa absurda, um director de um jornal satírico explicar um cartoon. O cartoon não é a representação da manifestação, mas sim da sociedade portuguesa. A sociedade portuguesa tem visto várias manifestações de racismo de vários tipos de pessoas que estão a usar a máscara do [André] Ventura. Entre eles, um adepto de futebol, um não sei quê e, entre eles, um polícia, porque, sim, tem havido casos de racismo [na polícia]”, explica Luís Pedro Nunes. 

Nuno Saraiva não vai explicar a sua obra: “Um cartoon vale por si. Os desenhos ilustrados têm a faculdade de ter várias interpretações”.

Na sequência da manifestação de extrema-direita, a SOS Racismo fez queixa ao Ministério Público. A Polícia Judiciária investiga as recentes ameaças da extrema-direita a deputados e dirigentes antifascistas. Com Lusa