Fábrica Social fecha portas, Visões Úteis muda-se para Campanhã

Há 12 anos, o escultor José Rodrigues instalou a sua fundação numa antiga fábrica de chapéus, por onde passaram dezenas de instituições artísticas. Agora, o espaço no centro do Porto será vendido. Companhia Visões Úteis já mudou de casa. Os outros saem em breve

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José Rodrigues sonhou fazer de uma antiga fábrica de chapéus uma “maternidade para a revelação” de artistas e, em 2008, abriu as portas do espaço, onde já tinha o seu atelier, a jovens que ali quisessem criar. A Fábrica Social, casa da Fundação José Rodrigues, recebeu dezenas de instituições artísticas do Porto e fez-se sala de exposições da cidade por 12 anos. Agora, já quase sem gente dentro, vai fechar portas. Ao que o PÚBLICO apurou, as herdeiras do pintor e escultor, que morreu em 2016, não terão alinhado vontades e a venda do imóvel acabou por ser a solução – mas sobre esse e outros temas a fundação, que mantém um espaço em Vila Nova de Cerveira, prefere manter o silêncio. O futuro do edifício de vistas deslumbrantes sobre o Porto continua, para já, uma incógnita.

Ao cimo de uma íngreme rua, bem perto de Santa Catarina, o local onde outrora houve exposições e eventos tem as portas trancadas e o rebuliço existente durante anos na Fundação José Rodrigues desapareceu. Na caixa aberta da carrinha que cruza o portão, vão os últimos carregamentos de material da companhia Visões Úteis e destaca-se o cartaz de um projecto antigo: “Exige o Futuro”, lê-se. Carlos Costa sorri ao notar a graça. É com esse lema que a companhia criada há 25 anos se muda agora para Campanhã, território privilegiado de intervenção nos últimos tempos. Ver o sonho da Fábrica Social chegar ao fim é desolador, assume o encenador e actor: “A ideia do José Rodrigues foi sempre que a Fábrica Social fosse maior do que ele. Mas na cidade de hoje não há esse espaço mental que houve há 12 anos e que permitiu que um artista para quem a vida foi generosa quisesse criar isto. À partida, aqui não nascerá nada que beneficie a comunidade. É altamente improvável que haja um projecto de retribuição, a lógica agora é de especulação.” A mudança de casa da Visões Úteis é, apesar disso, encarada com optimismo.  

Adriano Miranda
Adriano Miranda
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Adriano Miranda

Os últimos tempos na estrutura criada pelo escultor do cubo da Praça da Ribeira faziam adivinhar o fim. Além da Visões Úteis, estavam no espaço a companhia A Turma (que ainda por lá está, mas preferiu não falar com o PÚBLICO) e alguns criativos de áreas como arquitectura, design ou pintura, a partilhar um espaço de coworking, a maioria já avisada de que terão de procurar uma alternativa. Antes também por lá passaram estruturas como o Teatro Bruto, o Núcleo de Experimentação Coreográfica ou a Professional Ballet School Of Porto. O “esvaziamento” foi-se acentuando nos últimos quatro anos. E há cerca de dois meses, os proprietários comunicaram à Visões Úteis que teriam de sair, “idealmente antes de Setembro”. E Carlos Costa começou a magicar: “Se era para ir para algum lado tinha de ser Campanhã.”

Do centro ao oriente…

O namoro com a freguesia mais oriental e empobrecida do Porto tem mais de uma década. Começou em 2007 com uma peça encenada a bordo de um táxi que se perdia para lá do Porto glamoroso, no lado da “cidade que ninguém visitava”, foi crescendo até um convite da Câmara do Porto para integrarem os Colectivos Pláka e assumirem, desde 2019, a responsabilidade do pólo de Campanhã na programação do projecto municipal Cultura em Expansão.

Encontrar casa na freguesia não foi fácil. Carlos Costa deparou-se com uma realidade inesperada: “Há imensos anúncios de arrendamentos e vendas, mas quando contactávamos estavam já ocupadas ou tinham sido suspensos.” O fundador da Visões Úteis tem uma teoria para isso: “Parece-me que há muita gente a reter transacções à espera que os espaços valorizem”, arrisca, falando de investimentos como o terminal Intermodal ou a reabilitação do jardim da Corujeira e do antigo matadouro, que poderão valorizar a zona.

Dois meses de procura depois, a casa está encontrada: fica na Rua Justino Teixeira, bem perto da estação de Campanhã, tendo como “vizinhos” o Mira, projecto cultural instalado na freguesia há quase sete anos e força motriz que fez outros seguirem a mesma viagem: “Antes deles Campanhã era o fim do mundo”. É um pouco esse trabalho de “inscrição no território” feito pelo Mira que Carlos Costa persegue também. Por isso, a Visões Úteis tem apostado cada vez mais na vertente de programação: “Não podíamos apenas representar a revolução, era preciso fazer mais”, graceja. Além do “compromisso com as pessoas”, a companhia assume uma “responsabilidade com o território”.

E porquê Campanhã? “É um local onde podemos contribuir para que se decida uma coisa e não outra”, acredita. Ao chegar àquela geografia, a companhia percebeu que “as vias construídas se tornaram muros para quem ali vive”. Caminho-de-ferro, VCI, Circunvalação: num território esventrado, houve quem caísse para lá da cidade cuidada e do limite mental do Porto. E é nessa urbe “mais esquecida” que a Visões Úteis se tem concentrado.

Para quem por ali anda há mais de dez anos, a mudança é já visível: reabilitou-se o bairro São João de Deus, construiu-se parte do Parque Oriental, iniciou-se a despoluição do Rio Tinto. Mas, acima de tudo, destaca Carlos Costa, “sente-se a possibilidade” de mudança, com os projectos para lá anunciados. O cuidado a ter agora é não transformar esse Porto Oriental num “novo centro” ou, por outras palavras, descobrir “como é que a Disneylândia é limitada e se cria uma ideia de cidade que permita que as pessoas continuem a pertencer-lhe”.

A Visões Úteis põe o dedo no ar e diz querer contribuir para isso. “Queremos ser agentes de desenvolvimento territorial”, arroga Carlos Costa. O envolvimento no Urbinat, projecto europeu que quer activar comunidades locais para criar “corredores saudáveis” entre bairros municipais, promovendo a sua integração, é uma das ferramentas a usar. A Cultura em Expansão outra. Mas Carlos Costa tem ainda a ilusão de ver a cultura ser chamada a falar mesmo naquilo em que a sua presença é menos óbvia: projectos ambientais, económicos, urbanísticos. “Os artistas deviam estar presentes em todas as decisões.”

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