Governo libanês anuncia duas semanas de estado de emergência em Beirute
Há pelo menos 135 mortos e 5000 feridos. Operações de resgate prosseguem e número de vítimas deve ainda subir nas próximas horas. Hospitais não estão a conseguir dar resposta e alguns ficaram destruídos. Porto onde ocorreu a explosão tinha 85% dos cereais do país. Investigações iniciais apontam para “negligência” no armazenamento de 2750 toneladas de nitrato de amónio.
Beirute acordou de luto e a procurar vítimas entre os destroços causados pela violenta explosão que destruiu o porto da capital libanesa na terça-feira, matando pelo menos 135 pessoas e ferindo mais de cinco mil, de acordo com o último balanço do Governo, divulgado pelas 17h (hora em Portugal continental). A dimensão da catástrofe que se abateu sobre a capital do Líbano é gigantesca, e o Governo decretou duas semanas de estado de emergência.
Há ainda dezenas de desaparecidos e o número de vítimas deverá continuar a subir nas próximas horas, enquanto decorrem as operações de busca e salvamento nas áreas circundantes. Segundo a Reuters, foram colocados em prisão domiciliária todos os responsáveis pela segurança e pelos armazéns do Porto de Beirute desde 2014 - um ano depois de terem estado armazenados ali as 2750 toneladas de nitrato de amónio, um químico utilizado como fertilizante, que se julga ter estado na origem desta gigantesca explosão.
O Governo português não tem indicações de que haja cidadãos nacionais entre as vítimas mortais das explosões, disse à Lusa a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes. Mas um português, casado com uma libanesa, pediu ajuda ao executivo de António Costa para regressar a Portugal, referindo que a fachada do prédio onde vive em Beirute ficou destruída, bem como o rés-do-chão e o primeiro andar. Apela a que o seu processo seja acelerado, uma vez que a sua mulher precisa de visto.
Na manhã desta quarta-feira, o fumo continuava a sair do porto. As ruas da capital estão cheias de destroços e carros queimados, as fachadas dos prédios estão destruídas, as janelas partidas e vários telhados caíram, tornando as casas inabitáveis. Até 300 mil pessoas podem ficar desalojadas, segundo o governador da capital, Marwan Abboud.
This is a video that I received from another angle - the person who shot it is OK.
— Luna Safwan - ???? ????? (@LunaSafwan) August 4, 2020
Remember; many people usually jog/walk on the Beirut waterfront (close to the explosion).
Many people thought they just were documenting a big fire in the sea port. #Lebanon #beirutblast pic.twitter.com/CpuUgKAvLV
Foram enviados miliares para limpar os escombros, e helicópteros continuam a deitar água para evitar reacendimentos.
"Enorme catástrofe"
“O que estamos a testemunhar é uma enorme catástrofe. Há vítimas e mortes em todo o lado”, disse George Kettaneh, responsável da Cruz Vermelha libanesa, a uma emissora local. “É uma catástrofe. Há corpos no chão e as ambulâncias continuam a transportar os mortos”, acrescentou um soldado no terreno.
O Presidente do Líbano, Michel Aoun, declarou três dias de luto nacional e anunciou que o Governo vai disponibilizar cem mil milhões de libras (cerca de 50 milhões de euros) em fundos de emergência.
The moment a civil defence volunteer was found alive under the rubble. ??#BeirutBlast @akhbar pic.twitter.com/LSM2fgZHTh
— Jenan Moussa (@jenanmoussa) August 5, 2020
Um dos receios é que os gases emitidos pela explosão causem sequelas, pelo que as autoridades aconselham os cidadãos a ficarem em casa. O primeiro-ministro, Hassan Diab, fez um breve discurso ao país na manhã desta quarta-feira e afirmou que o Líbano está a viver uma “enorme catástrofe”.
"Negligência"
Na noite de terça-feira, Diab referiu que a explosão, que originou um terramoto de 3,5 na escala de Richter sentido em Chipre, a mais de 200 km de distância, foi causada pela detonação das 2750 toneladas de nitrato de amónio, um químico industrial utilizado sobretudo como fertilizante, que estavam armazenado no porto de Beirute há seis anos.
“Parecia uma bomba atómica”, afirmou Makrouhie Yerganian, uma professora reformada que vive perto do porto. “Já vivi de tudo, mas nada como isto.”
O Presidente norte-americano, Donald Trump, insinuou, sem especificar, que o Líbano sofreu um “terrível ataque” à bomba. No entanto, três oficiais do Departamento de Defesa norte-americano, ouvidos, sob anonimato, pela CNN, descartaram esta hipótese. O Governo libanês prometeu uma investigação e punições severas para os culpados.
Segundo uma fonte oficial ouvida sob anonimato pela Reuters, as investigações iniciais quanto à origem da explosão apontam para inacção das autoridades e “negligência” quanto ao armazenamento do nitrato de amónio. A mesma fonte acrescenta que houve um incêndio no porto que alastrou até ao armazém onde estava armazenado o fertilizante.
Outra fonte próxima da administração do porto referiu que há seis meses houve uma inspecção no local e, na altura, foi feito um aviso de que se o material não fosse retirado “poderia fazer explodir Beirute”.
Mas porque havia tamanha quantidade de nitrato de amónio nos armazéns do porto de Beirute? Sabe-se que foi confiscada a um navio em 2013, o Rhosus, que pertenceu a um cidadão russo chamado Igor Grechushkin, que vivia no Chipre. O navio terá chegado à capital libanesa enquanto viajava da Georgia para Moçambique. Foi impedido de sair do porto em 2014, por questões que ainda não foram totalmente clarificadas, mas que apontam para falhas mecânicas ou para falta de pagamentos.
A Cornelder, empresa gestora do porto da Beira, em Moçambique, negou à Lusa que tenha sido notificada que um navio “com essas características e carga” se destinasse ao país.
Hospitais destruídos
Enquanto prosseguem as operações de resgate, há pessoas na rua desesperadas por não saberem o paradeiro dos seus familiares. Os hospitais não estão a conseguir dar resposta às vítimas que chegam e, segundo a AFP, muitos feridos estão a ser levados para hospitais fora de Beirute. A presidente da Ordem dos Enfermeiros revelou à Al-Jazeera que pelo menos três hospitais da capital ficaram destruídos devido à explosão.
“Todos os pisos do hospital estão danificados. Nunca vi nada assim, nem na guerra”, disse ao New York Times Peter Noun, chefe do departamento de hematologia e oncologia pediátrica do Hospital St. George, em Beirute. “Os danos são extremamente graves. Todas as divisões estão danificadas. Caiu tudo, as janelas estão destruídas e os tectos estão em pedaços”, acrescentou.
Enquanto se sucedem os anúncios de ajuda económica ao país, que chegam de França, Irão, Arábia Saudita, Malásia, Jordânia, entre muitos outros países, o Governo libanês começa a fazer contas aos estragos. O governador de Beirute estima que a explosão tenha causado entre três mil e cinco mil milhões de dólares de prejuízo.
Visita de Macron
Na quinta-feira, o Presidente francês, Emmanuel Macron, desloca-se ao Líbano, onde se vai encontrar com o seu homólogo, Michel Aoun, e com Hassan Diab. A União Europeia também já anunciou o envio de 100 bombeiros altamente treinados, com veículos, cães e equipamento, especializados em busca e salvamento em contextos urbanos, enquanto a Austrália anunciou uma doação de 1,4 milhões de dólares.
O país atravessa uma profunda crise económica que causou uma enorme inflação, desvalorização da moeda e desemprego, agravada pela pandemia de covid-19. O preço dos alimentos disparou, muitas pessoas deixaram de ter dinheiro para comprar carne, e nem o pão está garantido para muitas famílias.
Acresce que o Líbano importa cerca de 90% do seu trigo e a grande maioria passava pelo porto destruído pela explosão. Escreve o Guardian que os celeiros portuários tinham cerca de 85% dos cereais do país. O ministro da Economia e do Comércio, Raoul Nehme, afirmou que à agência de notícias estatal que todo o trigo armazenado ficou destruído, mas garantiu que o país tem cereais suficientes para as necessidades básicas imediatas.
A crise económica tem levado os libaneses a saírem às ruas para protestar contra o Governo, agora chefiado por Hassan Diab, que tomou posse no início deste ano, com o apoio do Hezbollah, mas que não está a conseguir reverter aquela que é considerada a crise mais grave desde o final da guerra civil, em 1990. Além disso, o executivo não tem sido bem-sucedido nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter um empréstimo, no que toca às reformas necessárias, o que tem deixado o país num impasse.
Por isso, defende o professor da Universidade Americana de Beirute Nasser Yassin, mais do que nunca, o Líbano precisa de “líderes responsáveis” e do apoio da comunidade internacional. “Temos visto que o Governo não toma decisões correctas no que diz respeito à economia, finanças ou questões sociais. E consigo imaginar que este desastre seja tratado da mesma forma, com o povo libanês por si só, apoiado nas suas comunidades”, lamentou o analista à Al-Jazeera.