Reciclamos pouco? Zero avisa que os números são ainda piores

Associação insiste que relatório da Agência Portuguesa do Ambiente não reflecte o destino final de todos os resíduos urbanos. Governo quer mudanças rápidas e não recua no aumento da Taxa de Gestão de Resíduos.

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Há muito resíduo orgânico que vai para incinerar ou acaba em aterro, e que pode ser valorizado Adriano Miranda

A associação ambientalista Zero alerta que o Relatório Anual de Resíduos Urbanos relativo a 2019 volta a empolar, como em anos anteriores, os resultados da reciclagem dos vários sistemas de gestão de resíduos do país que são mais baixos do que os que transparecem dos dados divulgados esta semana. Em causa, assinala Rui Berkemeier, especialista desta organização nesta área, estão, por exemplo, os 2,3% de lixo encaminhado para “outras formas de valorização” que, garante, são enviados para aterro, somando-se assim aos já de si insustentáveis 57,6% de desperdícios que andámos a enterrar no ano passado. 

Nestas contas da Zero, o recurso a aterro chega, assim, praticamente aos 60%. E Berkemeier volta a insistir, como já havia feito em 2018, que também há resíduos orgânicos encaminhados para compostagem (e contabilizados neste destino), que, pelo meio do processo, acabam enterrados, não chegando a ser vendidos como correctivo orgânico. 

O ambientalista lamenta, por isso, que o relatório não consiga dar, ao país, uma noção exacta do “pouco” que se alcançou em duas décadas de políticas públicas e investimentos no sector. Nas suas contas, reciclaremos 20% do total de RU, quando as novas regras europeias, muito mais exigentes, nos obrigarão a reciclar 55% de tudo o que deitarmos ao lixo já em 2025, uma meta que passa para os 65% em 2030.

Nada interessada em dourar a pílula aos resultados de um sector onde o atraso é evidente, a secretária de Estado do Ambiente não nega que a leitura da Zero esteja correcta. Mas Inês da Costa Santos considera que ela decorre ainda, de opções de aferição dos indicadores de actividade em linha com anos anteriores. E assume que o relatório não reflecte a mudança, necessária, para esse quadro bem mais exigente, adaptado às novas regras aprovadas pela União Europeia em 2018: que obrigarão todos os estados membros a dar nota, apenas, dos destinos finais dos RU, e a calcular os níveis de reciclagem tendo em conta o lixo total, e não, como vimos fazendo, por opção que a UE aceitava, comparando o que separamos com o total de recicláveis.

Governo preocupado com os biorresíduos​

Tal como a Zero, aliás, Inês Santos Costa está preocupada com estes números, e apostada em mudar o paradigma da recolha e tratamento dos resíduos orgânicos, nos quais reside o grande falhanço do país, que, a par das recolhas selectivas de embalagens, centrou demasiado os esforços em tecnologias de tratamento e aproveitamento do lixo indiferenciado. Com resultados muito aquém das necessidades, explica.

Mesmo tomando como correcto o valor de 8,4% de resíduos enviados para compostagem ou digestão anaeróbica (com aproveitamento de biogás), ele é bastante baixo, se pensarmos que, segundo a caracterização dos RU produzidos pelos portugueses, quase dois em cada cinco quilos (38,5%) são biorresíduos. A secretária de Estado do Ambiente assume que, perante as imposições europeias, o país vai ter de retirar essa fracção dos nossos baldes de lixo indiferenciado – com aposta na recolha porta-a-porta, nuns casos, na compostagem doméstica ou comunitária, noutros – e evitar que ela vá para aterro ou surja misturado com outros materiais nos resíduos enviados para incineração. 

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O chicote e as cenouras

Isto, é sabido, vai acabar também por melhorar a qualidade das embalagens recolhidas, que terão menos contaminantes orgânicos. Há já um conjunto de iniciativas de investimento, quer do Fundo Ambiental, quer de fundos comunitários, para incentivar a valorização destes desperdícios, e Inês Santos Costa não se mostra disponível para atrasar, ainda mais, a duplicação da taxa de gestão de resíduos que, a partir de Setembro, penaliza mais a deposição em aterro. 

Se a TGR é o “chicote” que assusta muitos municípios e outras entidades do sector, preocupados com o impacto imediato nas respectivas contas, Inês Santos Costa garante que haverá cenouras para nos conduzir pelo caminho correcto que, com um maior grau de separação, se traduzirá em menos lixo indiferenciado e menos taxa a pagar. E para além dos apoios do actual e do próximo quadro comunitário, adianta que, como pedido pelas autarquias, a própria TGR vai ser “reciclada”, para passar a ser aplicada em projectos que fomentem a separação de resíduos, por exemplo.

Ligar o lixo às alterações climáticas

Inês da Costa Santos admite que uma das maiores dificuldades de quem tutela este sector é conseguir demonstrar o nexo de causalidade entre a forma como consumimos e lidamos com os desperdícios desse consumo e as alterações climáticas, que estão associadas à depredação de recursos do planeta. “O melhor resíduo é aquele que não é produzido”, vinca a secretária de Estado de um país que só consegue fazer menos lixo quando está em crise, ou seja, quando a economia não cresce. 

A dificuldade passa também por comunicar com os cidadãos, que esqueceram o chimpazé Gervásio e as suas habilidades com os ecopontos. Em Portugal já se percebeu que a educação ambiental não chega para mudar comportamentos, e que reagimos mais rapidamente perante incentivos ou penalizações económicas - veja-se o sucesso das máquinas de recolha de garrafas de plástico ou da taxa sobre os sacos deste material. Mas, salvo algumas excepções, ninguém, em casa, sente no bolso o efeito da sua indiferença ou empenho perante a separação de resíduos porque a factura, critica a Zero, teima em estar associada à conta da água penalizando, tão só, quem toma mais banho, ou tem famílias maiores.

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