Quadros antigos do século XX
No nosso país, a imitação e falsificação de primitivos portugueses nunca teve expressão alguma no mercado antiquário. Primeiro, porque não houve “escola”. Segundo, porque a cotação de uma obra desse tipo nunca atingiria valores significativos. Terceira de uma série de crónicas dedicadas à pintura.
Há um conto de Patricia Highsmith (“O grandioso castelo de cartas”) que gira em torno de um personagem paradoxal, um coleccionador de pintura que só se interessa por cópias e imitações dos melhores mestres antigos, por insuspeitados falsos de elevadíssima qualidade que, nos leilões, aparecem como originais excelentes e certificados. Para além de se aplicar a constituir uma colecção privada absolutamente excêntrica e já famosa no seu meio, o gozo maior de Lucien Montlehuc, no exercício “do seu lamentável gosto pelo falso”, era começar a licitar uma pintura em leilão e levar os presentes a absterem-se de o fazer logo em seguida: o arguto “olho” de Lucien nunca se equivocava e, por conseguinte, quadro que concitasse o seu interesse era, certamente, uma imitação ou um falso… O resultado disto constituía ainda um desprestígio para a leiloeira, sobretudo quando os especialistas se debruçavam de novo sobre a obra por ele adquirida e confirmavam que, de facto, se tratava mesmo de uma falsificação. Um Giotto do início do século XIV, porém, viria a arruinar a aura de infalibilidade do “faro” de Lucien. Num leilão em Aix-en-Provence, ele entra em acesa disputa com dois licitadores bem seguros da atribuição de um Anúncio aos Pastores e acaba por arrematar a pintura por um valor altíssimo. Pouco depois, numa sessão com vários experts que consigo traziam, para comparação, uma tábua de Giotto do mesmo período, Lucien verifica, claramente vista, a similitude absoluta da pincelada em ambas as pinturas. Por excesso de autoconfiança, desgraçadamente, tinha adquirido um Giotto autêntico para a sua colecção!
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