Há um Zunzum em Lisboa. É Marlene Vieira a abrir o seu novo restaurante
Estava pronto a inaugurar em Março, mas a pandemia trocou-lhe as voltas. Agora sim, a chefe abre o Zunzum, junto ao terminal de cruzeiros de Santa Apolónia. Na reentrée nascerá a segunda parte do projecto, outro novo restaurante, mas de fine-dining: vai chamar-se Marlene.
A máscara negra não deixa ver o sorriso, mas não faz mal, porque ele está todo nos olhos da chef Marlene Vieira. Ninguém pode ter dúvidas, neste final de tarde de Verão em Lisboa, que Marlene está feliz por, finalmente, ter aberto as portas do Zunzum Gastrobar, metade do seu novo projecto, no terminal de cruzeiros, junto a Santa Apolónia.
O vermelho que anuncia o Zunzum e marca a decoração no interior vê-se ao longe. A esplanada está montada, com grandes chapéus vermelhos de marca portuguesa, como tudo o que existe neste espaço, faz questão de sublinhar a chef, com excepção dos fogões porque “não foi mesmo possível encontrar”.
Dissemos metade do projecto porque, na rentrée, há-de abrir a segunda parte, o Marlene, restaurante de fine-dining, com toda uma outra lógica. Hoje é dia de Zunzum e a chef convida-nos a entrar para conhecer o espaço. O balcão, pensado para um menu de degustação de sobremesas, vai, para já, e por causa das medidas de distanciamento social, servir sobretudo de apoio ao restaurante.
Por trás do balcão estão as mesas, de tampo de pedra e cadeiras vermelhas, e, do nosso lado esquerdo, a loja, que vende produtos seleccionados, alguns ligados a Marlene, como os vinhos ou o livro dos doces com receitas da sua autoria, e outros que são apenas preferências pessoais.
Inicialmente – estamos a falar de há um ano e meio, quando esta aventura começou – o que Marlene e a equipa de arquitectos e designers com quem trabalha tinham como material era apenas um rectângulo de paredes de vidro. Nos meses seguintes, aí dentro cresceram os dois restaurantes, o Zunzum voltado para o lado da cidade, com vista para o casario de Alfama, e o Marlene, do lado do rio. No meio, um conjunto de cozinhas (que também vão servir de apoio aos outros espaços do grupo, o SáLA, de João Sá e o Marlene no Mercado da Ribeira) e que são o sonho de qualquer cozinheiro, espaçosas, organizadas, - “como aprendi a fazer nos hotéis de cinco estrelas por onde passei”, resume Marlene.
Não esconde alguma ansiedade com esta abertura num Agosto esvaziado de turistas por causa da pandemia. Mas, depois do choque inicial e de quase quatro meses de suspensão, decidiu que era a altura de dar o passo em frente. “Tudo isto foi um bocado atribulado”, confessa à Fugas. “Foi o projecto mais atribulado de todos, e eu estou habituada a que nada na minha vida seja fácil.” O ano de 2020, em que celebrou o 40º aniversário, vai por isso “ficar marcado para sempre, pelas coisas boas e pelas más”.
Quer ajudar a fazer “renascer” esta parte da cidade e quer fazê-lo, com os seus restaurantes, “de forma muito europeia, entre o moderno e o tradicional”, explica. Para já, o Zunzum é o mais descontraído, onde a comida é mais descomplicada e divertida – “é alta cozinha a preços acessíveis”. Conta que ainda pensou fazer aqui algo como o italiano Eataly, uma espécie de montra dos produtos nacionais, mas depois pensou que “já havia quem fizesse isso na cidade” e decidiu-se pelo modelo que agora apresenta, mas sempre “tendo a portugalidade como ponto de partida”.
Desenhado o espaço, criada a carta, formada a equipa, estava tudo pronto para abrir, quando a pandemia veio arruinar os planos. Marlene confessa que ficou em estado de choque e teve que parar e afastar-se de tudo “pelo menos uma semana”. “Fugi”, diz, para logo emendar. “Não foi fugir, tinha que ver o elefante de fora. Foi um momento difícil. Tive que ir passo a passo, resolver prioridades, questão a questão. A gestão financeira é o mais fácil, a emocional é que é difícil.” Lançou-se a trabalhar no take-away – “consigo pensar melhor quando estou ocupada” – e foi pondo as ideias em ordem.
A carta que apresenta é a que já tinha criado antes. “O foco é o sabor português, os ingredientes são os portugueses, as técnicas são de todo o mundo, porque nós somos cozinheiros e gostamos de brincar com técnicas”. O pão é feito na casa e surge no couvert (5€) em versão brioche e tradicional de fermentação lenta, ao lado de uns chips de peixe.
Depois há, por exemplo, tempura de vegetais (7€), sapateira e abacate sobre uma mini-pizza (12€), mini-sanduíche de rosbife em bolo lêvedo (10€, duas unidades), tartelete de bacalhau (9€), corndog de choco e camarão (12€), ceviche de espadarte com maracujá e pimenta da terra (10€), filhós de berbigão à Bulhão Pato (9€), ovos com ervilhas e farinheira (9€), a “francesinha clássica” (12€), arroz de bivalves à Bulhão Pato (12€), arroz de pato (10€), espetadas de porco preto (12€) ou carbonara de aipo e legumes da época (10€).
Uma aposta são as sobremesas – arroz doce (5€), enrolado de ananás dos Açores (6€), papos de anjo e hortelã (5€), texturas de chocolate (7€), entre outras – que se sugere sejam acompanhadas por um dos cocktails da casa (entre os 10 e os 14€), do Bombarral Oeste (gin, Campari, redução de pera bêbeda, Porto Tawny 10 anos) ao Ronaldinho (aguardente de cana da Madeira, sumo de limão, puré de maracujá, xarope de canela, manjericão e soda), passando por um Vá-Vá (rum da Madeira 980, tostado de amêndoa e coco, sumo de lima, ananás, creme de coco, flor de laranjeira, Dry Curaçao PF) ou ainda, sem álcool, um Amêndoas à Bulhão Pato (Orgeat, sumo de lima, coentros). A carta de vinhos é da responsabilidade do escanção do grupo Marlene Vieira, João Pichetti.
Depois, é ficar, na esplanada ou no interior, a ver a cidade entardecer, o sol dourado a entrar pelos vidros a toda a volta, as luzes eléctricas a acender. “Agosto é o mês em que os portugueses estão de férias, ainda não começou o stress de Setembro, com o regresso à escola e ao trabalho”, diz Marlene. “Quero aproveitar esta energia e esta boa disposição, é isso que quero para o Zunzum.”