Uma geração ansiosa
Um simples telefonema é uma raridade numa geração que evita a interacção directa com outras pessoas, mas que procura a sua validação através de uma publicação numa rede social.
Aguardo a minha vez para pagamento numa fila de supermercado. À minha frente, um jovem de auriculares nos ouvidos assiste de cabeça baixa à passagem das suas compras pelo leitor de código de barras. No final, a operadora de caixa faz-lhe as perguntas do costume sobre se tem o cartão de cliente, se pretende colocar o número de contribuinte na factura. Alheio às questões, enquanto digita algo no telemóvel, responde que não através de uma máscara que lhe abafa a resposta. Simultaneamente, abana a cabeça de forma mais expedita assegurando que não lhe são feitas mais questões. Num ato contínuo, de modo esquivo mostra o cartão multibanco, apontando-o para o leitor de cartões, esperando a indicação da funcionária para o inserir, que habituada à parca interacção dos clientes, prontamente adivinha a intenção e autoriza o procedimento. O jovem, que não teria mais de 20 anos, impaciente pelos quase 5 segundos que demora a validação do pagamento, volta a desbloquear o ecrã do telemóvel de forma quase involuntária, como que não sabendo interagir com a pessoa à sua frente nesse curto intervalo de tempo. Finalmente, a espera termina, e parecendo satisfeito pelo desfecho da interacção, levanta pela primeira vez o olhar, agradecendo “igualmente” aos votos de bom fim semana da funcionária.
A interacção social, algo inato desde sempre ao ser humano, e que permitiu a sua evolução ao longos dos tempos, é hoje em dia evitada a todo o custo, em particular pelas gerações mais jovens, Y e Z, que se esquivam sempre que possível a uma conversação face-a-face ou mesmo mediada através por exemplo de um telefone. Um estudo publicado pela LivePerson mostrou que cerca de 75% dos mais de 4000 jovens entre os 18 e 34 anos inquiridos nos EUA, Reino Unido, Alemanha, Austrália, Japão e França preferem comunicar através de mensagens ou de uma aplicação de chat do que pessoalmente ou através de uma chamada telefónica. Um telefonema é considerado como a última instância para uma comunicação com outra pessoa. Só uma emergência ou um assunto muito urgente é compatível com a necessidade de um evento tão intrusivo, como ter que falar com alguém, seja a nível pessoal ou profissional. Receber uma chamada no telemóvel cria ansiedade nos jovens, pelo inusitado de receber um telefonema e não se estar preparado com toda a informação para responder ao interlocutor, como o envio de uma mensagem confortavelmente o permite.
Estamos num tempo em que a tecnologia domina praticamente todas as actividades do nosso dia, que já nem damos conta da sua presença. E quando isso não acontece, somos interrompidos por ela. Numa notificação, numa mensagem ou num ato reflexo de pegar num dispositivo que nos faça distrair do silêncio com o qual já não sabemos conviver nem suportar. Os conteúdos, os problemas e as notícias que surgem e nos entretêm nas redes sociais mantém-nos absortos de uma realidade, que é a nossa, mas que nos parece colocar num patamar distinto. O que nos é apresentado numa rede social é paradoxalmente real e entretenimento digital.
Antes da pandemia surgir, e das consequentes restrições sociais, os millennials e a geração Z faziam já parte de uma denominada “geração ansiosa”, confinada num mundo digital que os absorve e exacerba qualquer acontecimento do mundo real. Esta ansiedade traduz-se num desassossego permanente, em que acontecimentos e causas são vividos de forma exponenciada numa rede social, mas que são esquecidos à mesma velocidade com que surgem. Rapidamente são substituídos por outro evento, por outro incidente que os mobiliza a todos no mesmo sentido, na mesma discussão. A tecnologia está a tornar as novas gerações cada vez mais insatisfeitas e ansiosas por novos estímulos, por novos conteúdos, uma adição que os acompanha desde que nasceram, num mundo já altamente conectado através da Internet e dos meios digitais.
Aguardam uma validação social de amigos e desconhecidos através de uma foto ou conteúdo publicado numa rede social, que mais do que alimentar o seu ego, como parece à primeira vista, alimenta a sua insatisfação e ansiedade permanente. Provavelmente, sempre foi assim. Apesar de tudo, sempre necessitámos da validação dos outros para que nos sentíssemos bem. Como diz Valter Hugo Mãe, “O paraíso são os outros”, a nossa felicidade depende sempre de alguém.