Trump sugere adiamento das eleições presidenciais, uma decisão que não depende dele
Presidente norte-americano diz que o aumento da votação por correspondência vai provocar fraude generalizada. Partido Democrata diz que Trump está “aterrorizado” com as sondagens.
Depois de meses a afirmar, sem provas, que o esperado aumento da votação por correspondência nos Estados Unidos por causa da pandemia de covid-19 vai abrir as portas à fraude generalizada, o Presidente norte-americano, Donald Trump, sugeriu pela primeira vez, esta quinta-feira, que as presidenciais de Novembro sejam adiadas.
A ideia foi avançada no Twitter, numa mensagem em que Trump voltou a afirmar, contra todos os estudos feitos até hoje, que “a votação universal por correspondência vai fazer das eleições de 2020 as mais imprecisas e fraudulentas na História”.
“Será um enorme embaraço para os Estados Unidos. Devemos adiar as eleições até que as pessoas possam votar devidamente e em segurança?”
É pouco provável que a sugestão de Trump se concretize porque o Presidente norte-americano não tem poder para adiar, suspender ou desmarcar votações. E nunca na História do país uma eleição presidencial foi adiada, incluindo durante a Guerra Civil (1864) e a Segunda Guerra Mundial (1944).
Ainda que houvesse consenso no Congresso e nos estados norte-americanos para um adiamento das eleições – ou da escolha dos grandes eleitores por outros meios, o que é permitido pela Constituição –, a nova data não poderia ser marcada para muito depois de Novembro.
Numa imposição clara da Constituição dos Estados Unidos, o Presidente e o vice-presidente do país cessam funções ao meio-dia de 20 de Janeiro do ano a seguir às eleições.
Economia e sondagens
A sugestão de Trump foi feita pouco depois da publicação de um relatório que mostra uma contracção de 9,5% na economia norte-americana entre Abril e Junho – a maior queda num trimestre desde que há registos, num ano marcado por uma pandemia que já levou mais de 50 milhões de pessoas a pedirem subsídio de desemprego.
Para além do rombo na economia, que põe em causa uma recuperação a tempo das eleições presidenciais de Novembro, Trump surge nas sondagens muito atrás do seu principal rival, o candidato do Partido Democrata, Joe Biden.
Segundo a média das sondagens no site RealClearPolitics, Biden lidera a corrida a nível nacional com uma vantagem de 8,4 pontos sobre Trump e vai à frente nos seis estados mais disputados com vantagens que variam entre 3,2 pontos no Arizona e oito pontos no Michigan.
“Donald Trump está aterrorizado”, disse a senadora Kamala Harris, do Partido Democrata, um dos nomes mais falados para acompanhar Joe Biden como candidata a vice-presidente dos EUA. “Ele sabe que vai perder para o Joe Biden, mas precisamos de todos para que isso aconteça. Encontramo-nos nas mesas de voto no dia 3 de Novembro, Donald Trump.”
No Twitter, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, remeteu para o artigo da Constituição que determina que cabe ao Congresso definir a data das eleições: “O Congresso pode determinar a hora de escolher os eleitores e o dia em que eles devem votar. O dia será o mesmo em todos os Estados Unidos.”
A sugestão de Donald Trump também não teve grande entusiasmo no seu próprio partido, com figuras como Kevin McCarthy, líder republicano na Câmara dos Representantes, Mitch McConnell, líder da maioria do Partido Republicano no Senado, e os senadores Marco Rubio e Ted Cruz a descartarem o adiamento das eleições.
Apesar de ser um cenário irrealista, a sugestão de Trump dá força a quem tem avisado que as eleições de Novembro vão ficar na História como umas das mais controversas e perigosas em termos constitucionais.
Em Junho, numa entrevista ao PÚBLICO, o professor de Direito Lawrence Douglas, da universidade norte-americana de Amherst, disse que não imagina Trump a aceitar o resultado das eleições em caso de derrota.
Num livro intitulado “Will he go?” (Será que ele vai sair?), Douglas antecipa problemas na noite das eleições, com milhões de votos enviados por correspondência ainda por contar e com Trump a reclamar possíveis vitórias antes do tempo.
Há quase duas semanas, o Presidente norte-americano reforçou esses receios numa entrevista ao canal Fox News, quando se recusou a garantir que irá aceitar os resultados eleitorais.
Fraude residual
Há muito que o Presidente norte-americano vem dizendo que a votação por correspondência facilita a fraude eleitoral, apesar de todos os estudos indicarem que os problemas registados em anos anteriores são residuais e estão em linha com falhas e fraudes que acontecem na votação presencial.
Mesmo antes da pandemia, sete estados norte-americanos (Colorado, Califórnia, Havai, Oregon, Utah, Washington e Vermont) já realizavam as suas eleições apenas com boletins enviados previamente para os eleitores, que depois podem enviá-los pelo correio ou entregá-los em locais pré-designados.
Em nenhum outro estado norte-americano a votação por correspondência é universal, nem há propostas de lei a serem discutidas para que isso aconteça até Novembro. A escolha de muitos estados pela votação por correspondência foi determinada pela pandemia, que pode limitar a votação presencial devido às preocupações com a transmissão do novo coronavírus.
O próprio Donald Trump votou por correspondência em pelo menos três eleições: em 2017 para a eleição do presidente da câmara de Nova Iorque; em 2018 nas eleições para o Congresso, também em Nova Iorque; e, já este ano, para as primárias do Partido Republicano na Florida, tendo corrigido um primeiro boletim que tinha como morada oficial a Casa Branca em vez de Palm Beach.
Desde que o Oregon adoptou a votação por correspondência, há 20 anos, foram identificados 12 casos de fraude em mais de 100 milhões de boletins enviados aos eleitores.
O último caso de fraude eleitoral nos Estados Unidos aconteceu nas eleições de 2018, na Carolina do Norte, e o responsável foi um candidato do Partido Republicano à Câmara dos Representantes. Essas eleições foram anuladas e repetidas em Setembro de 2019 depois de ter sido provado que um dos colaboradores do republicano manipulou centenas de votos de eleitores afro-americanos.