Petição pública abriu caminho para a discussão sobre o túnel de Miramar, mas nem todos estão satisfeitos
A associação Amigos de Miramar conseguiu uma reunião com presidente da Câmara de Gaia por causa da construção do túnel. Residentes manifestam desagrado pela falta de divulgação do projecto.
A estação de Miramar estaria praticamente vazia, não fosse a fila de carros que espera pela abertura da passagem de nível para continuar o seu percurso ao longo da avenida Vasco da Gama, caracterizada pelos plátanos que formam arcos entre si. Na estação, sentado num banco metálico, está um idoso, cujo nome não revela, que muitas vezes pára por Miramar. “O túnel deve ser feito para os carros passarem”, diz, indiferente à “destruição paisagística” que a associação Amigos de Miramar diz que a obra provocaria. Esta posição levou ao lançamento de uma petição pública contra o projecto, já com 2242 assinaturas.
Segundo a Infra-Estruturas de Portugal, a construção do túnel tem como objectivo “a modernização da Linha do Norte, no troço entre Espinho e Vila Nova de Gaia”, tendo sido adjudicada pelo montante de 55,3 milhões de euros ao consórcio de empresas DST, S.A. e AZVI, S.A. O relatório de consulta pública do “Projecto de Modernização da Linha do Norte do Sub-troço 3.3, entre Ovar e Vila Nova de Gaia” data de Novembro de 2010, mas, segundo Luísa Ferreira da Silva, deputada do BE da Assembleia Municipal de Gaia, “o projecto esteve parado desde então”.
A construção do túnel implicaria, diz a petição, “o abate das árvores centenárias que ladeiam a Avenida”. A 3 de Julho, a IP respondia à Lusa que “o projecto prevê a reposição de todas as árvores retiradas, bem como o arranjo paisagístico de toda a zona envolvente, numa perspectiva de minimização efectiva dos impactes associados a esta importante intervenção”. Porém, a deputada tem dúvidas, já que o projecto, que lhe foi enviado depois de ter estado um ano a insistir com a IP e com a Câmara de Gaia, não é “claro”. “O projecto de replantação de árvores não aparece em lado nenhum”, argumenta.“Por que é que a Câmara não apresenta o projecto à população?”, questiona ainda a deputada do BE, que afirma não estar “necessariamente contra o túnel”, mas critica inexistência de “discussão” do projecto entre a autarquia e os munícipes.
Diogo Lopes, que vive em Miramar há 62 anos, confirma: “Nem sei o que vai acontecer, nunca ninguém nos apresentou nada”.
Segundo o projecto que foi facultado à deputada do BE, a estação (na verdade, um apeadeiro) será demolida para dar lugar a seis lugares de automóvel. “Este apeadeiro é uma estrutura com algum valor arquitectónico e faz parte de uma linguagem integrante ecléctica da arquitectura dos finais do século XIX e inícios do século XX”, diz Manuel Ferreira da Silva, também residente em Miramar. “A maioria das pessoas nem sabe que haverá aqui um túnel e isto terá perturbações brutais”, sublinha, apontando ainda para os dois anos de obras.
Tal como a deputada do BE ou Diogo Lopes, Manuel Ferreira da Silva não assinou a petição, uma vez que esta “não tem grande eficácia directa porque a obra está a ser adjudicada. O que pode é ter a vantagem de pressionar outras entidades para serem obrigadas a ter de dar a cara e a ouvir os problemas das pessoas” — o que, de facto, já se verificou.
Perante a preocupação expressa pelo grupo Amigos de Miramar, foi realizada, no dia 16 de Julho, uma reunião com o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, no Salão da Junta de Freguesia de Arcozelo, dinamizada pela presidente da Junta, Maria Adelina Pereira. Depois de “muita luta”, afirma Alexandra Camacho, membro da Amigos de Miramar, a associação teve então acesso ao projecto da IP, que considerou “inaceitável”.
“A posição da Câmara foi de diálogo”, conta Alexandra Camacho, revelando que a autarquia vai rever o projecto com a IP de forma a que o mesmo “seja consonante com a arquitectura paisagística, com as árvores e com as novas tendências urbanísticas”, tendo aceite sugestões propostas pelos subscritores. O autarca confirmou ao PÚBLICO que “está a ser articulada uma reunião com as Infra-estruturas de Portugal para perceber o tipo de intervenção e as melhorias possíveis”.
A deputada municipal Luísa Ferreira da Silva afirma que “a questão foi negligenciada até aparecer a petição”. O presidente da Câmara de Gaia contrapõe que “o projecto é do dono de obra, a Infra-Estruturas de Portugal”.
Alexandra Camacho defende que “se a sociedade civil se organizar, de forma consistente, pode mudar o paradigma” do facto consumado, o que, no entanto, “dá trabalho”, apressa-se a esclarecer.
Diogo Lopes adianta, porém, que ainda serão muitos os moradores que não tiveram acesso à informação da construção do túnel, impossibilitando, assim, a discussão pública. Luísa Ferreira da Silva enfatiza que se tratou de um processo “escondido, fechado”, tendo havido apenas “um grupo de cidadãos que se pronunciou”.
Texto editado por Ana Fernandes