Mundo já está a montar a máquina que quer imitar o poder de fusão do Sol

Projecto ITER, que junta 35 países no mesmo plano científico, anuncia o início de uma nova era da energia de fusão nuclear, para gerar electricidade sem emissões. Cerimónia que assinalou início da montagem do reactor decorreu esta terça-feira.

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Algumas da gigantes peças do reactor de fusão já estão a ser montadas e foram produzidas ao longo dos ultimos anos em diferentes países ITER

As peças da máquina gigante que será uma “fábrica” do Sol na Terra e está a ser montada no Sul de França começaram a chegar nos últimos meses, mas o projecto já tem mais de uma década. “O maior projecto científico do mundo” dá esta terça-feira mais um passo em frente com a cerimónia oficial que assinala o início da montagem do reactor de fusão nuclear conhecido como ITER (sigla para Internacional Termonuclear Experimental Reactor). O plano é abrir caminho a uma nova era da energia – acedendo a uma fonte segura, limpa, abundante e económica – numa parceria inspiradora que junta a União Europeia à China, Japão, Índia, Coreia do Sul Rússia e EUA. Para chegar à meta “fusão para energia”, o mundo apresenta a promessa de trazer o poder do Sol para a Terra. 

“A máquina ITER, o maior projecto científico do mundo, está a ser montada para replicar o poder de fusão do Sol que fornece luz e calor e possibilita a vida na Terra”, refere o comunicado de imprensa sobre a cerimónia que decorre esta terça-feira de manhã em Cadarache, próximo de Marselha, no Sul de França. A sessão oficial na gigante fábrica do Sol que se está a construir na Terra foi liderada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, e contou com a participação – à distância – de outros chefes de Estado e parceiros do projecto internacional. No seu breve discurso, Emmanuel Macron afirmou que olha para o ITER como “uma promesa de paz”. “É uma prova de que o que aproxima os povos é bem mais forte do que o que os separa”, disse, encarando o projecto também como “uma promessa de progresso” e um “acto de confiança no futuro”. 

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ITER

“Acredito que a inovação desempenhará um papel fundamental na abordagem de questões globais, incluindo as mudanças climáticas e na concretização de uma sociedade livre de carbono sustentável”, afirma Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão, citado no comunicado de imprensa.

O reactor experimental que está a ser montado agora e que foi projectado há já vários anos, num projecto que já envolve um investimento de cerca de 20.000 milhões de euros, deverá ser capaz de fornecer energia limpa, sem emissões. Como em muitos outros grandes projectos, os prazos derraparam e os custos também

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A equipa do projecto ITER

É também uma fonte segura, que recorre a quantidades mínimas de combustível para a fusão, que, neste caso, é encontrado na água do mar e no lítio. “É abundante o suficiente para abastecer a humanidade por milhões de anos. Uma quantidade deste combustível do tamanho de um abacaxi é equivalente a dez mil toneladas de carvão”. Por outro lado, adianta o documento divulgado esta manhã, é ainda uma fonte com custos de operação relativamente baixos. “Quando o ITER terminar, espera-se que demonstre que o poder de fusão pode ser gerado de maneira sustentável a uma escala comercial.” Ainda assim, o projecto não tem sido imune a críticas sobre os custos desta operação e de algumas reservas sobre a execução deste plano tão ousado.

A ideia atrás do ITER é reproduzir a imensa energia das reacções de fusão nuclear, que ocorrem no núcleo das estrelas, como o Sol. A fusão nuclear é diferente da energia nuclear que se produz partindo átomos de elementos químicos e instáveis, como o urânio, e aproveitando a energia libertada. A produção de energia por fusão nuclear, barata, limpa e com um potencial inesgotável é o sonho antigo. Há muito tempo que os cientistas trabalham para que a fusão do núcleo dos átomos se torne rentável. Foi só em 2014 que uma equipa norte-americana conseguiu, pela primeira vez, produzir mais energia por fusão nuclear do que a aplicada para iniciar a reacção

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O plano da máquina completa ITER

Apesar do ambicioso objectivo de imitar o poder do Sol, esta máquina já conseguiu um feito assinalável sem ainda ter sequer começado a funcionar, ao juntar 35 países parceiros no mesmo projecto, mais precisamente a União Europeia (com o Reino Unido e a Suíça), China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e EUA. “Estas nações, representando mais de 50% da população mundial e mais de 80% do produto interno bruto global, reuniram a sua vasta experiência e recursos para construir o primeiro dispositivo de fusão de investigação em escala industrial”.

A França é o país anfitrião do plano que tem os custos divididos em diferentes parcelas, com a União Europeia, mais Reino Unido e Suíça, a assumir 45% da factura e cada um dos outros membros do ITER a financiar 9%.

“Cerca de 90% das contribuições dos membros do ITER são feitas em componentes, adicionando complexidade internacional a uma máquina já multifacetada, o tokamak ( ‘tórus magnético’). Quando terminar, o tokamak será composto por mais de um milhão de componentes”, lê-se no comunicado. O tokamak é um dispositivo em forma de donut, uma câmara de confinamento magnético onde se fará a fusão dos núcleos de duas formas de hidrogénio, deutério (que encontramos no mar) e trítio (que tiramos do lítio), e está em construção há já alguns anos. 

Tal como um brinquedo, a máquina que quer imitar o Sol vai ser montada juntando peças soltas enviadas de fábricas, laboratórios e universidades de vários países para França. Mas este é um projecto sério e a uma escala sem precedentes. Alguns dos componentes do reactor experimental de fusão nuclear pesam várias centenas de toneladas e têm dezenas de metros. Há mais de 10 mil pessoas a trabalhar para o sucesso do ITER.

Olhando para as imagens que acompanham este artigo, é possível ter uma noção do tamanho desta empreitada. Mas os números também ajudam. Estamos a falar de uma obra que envolve mais de 100 mil quilómetros de cabos supercondutores que pesam algo como 400 toneladas. A máquina ITER vai pesar 23 mil toneladas (a Torre Eiffel pesa 7300). O complexo de construção está instalado numa área com 180 hectares onde se encontra a plataforma principal com 42 hectares, o equivalente a 60 campos de futebol. Por fim, o edifício do tokamak tem 73 metros de altura (60 metros acima do solo e 13 metros abaixo), ou seja, é um pouco mais alto do que o Arco do Triunfo. 

“Construir a máquina peça por peça será como montar um puzzle tridimensional numa intrincada linha do tempo”, disse Bernard Bigot, director-geral do projecto ITER, que cumpre já o segundo ano do segundo mandato, com a duração de cinco anos.

E, a propósito do tempo, o calendário do projecto tem uma nova etapa decisiva agendada para Dezembro de 2025 (que, inicialmente, estava prevista para 2020), quando os cientistas esperam finalmente lançar o “Primeiro Plasma”, um momento que vai provar a funcionalidade da máquina com os seus primeiros testes. O reactor deverá atingir a sua plena potência em 2035.

“Se o poder de fusão se tornar universal, em complemento às energias renováveis, o uso de electricidade poderá ser muito ampliado, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa produzidos pelos transportes, edifícios e indústria”, antecipa Bernard Bigot. “Permitir o uso exclusivo de energia limpa será um milagre para o nosso planeta.”

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