Populações humanas da Península Ibérica já controlavam o fogo há 400 mil anos

Há uma corrente que defende que o uso controlado do fogo é tão antigo como a humanidade (desde há 1,5 a dois milhões de anos) e outra que defende que só foi conseguido há menos de 50 mil anos, contextualiza o investigador português João Zilhão.

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João Zilhão em escavações arqueológicas no complexo de grutas da nascente do Almonda, em Agosto de 2017 Mário Lopes Pereira

Um estudo liderado pelo paleoantropólogo João Zilhão concluiu, a partir de escavações arqueológicas em Torres Novas, que as populações humanas da Península Ibérica já dominavam há 400 mil anos as tecnologias que permitiam controlar o uso do fogo.

O estudo, publicado na revista científica Scientific Reports, foi conduzido por uma equipa de investigadores do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa e resulta de escavações feitas na gruta da Aroeira, em Torres Novas, entre 2013 e 2017.

Em declarações à agência Lusa, o paleoantropólogo João Zilhão disse que o trabalho “comprova, num caso em que a datação é absolutamente segura e, para os parâmetros do período, muito precisa, que há 400 mil anos as populações humanas da Península Ibérica dominavam as tecnologias ligadas ao uso controlado do fogo”. “E, se era assim na Península Ibérica, sê-lo-ia também seguramente nas outras regiões habitadas da Europa, Ásia e África.”

Durante as escavações na gruta da Aroeira, onde em 2017 foi encontrado o fóssil humano (um crânio) mais antigo de Portugal, com 400 mil anos, a equipa coordenada por João Zilhão recolheu vestígios da acção do fogo, como restos de ossos queimados e carvões. Da equipa do paleoantropólogo português fizeram ainda parte os investigadores espanhóis Montserrat Sanz e Joan Daura.

“Podemos agora afirmar com segurança, com base na gruta da Aroeira, que, há 400 mil anos, a humanidade já dominava o fogo”, sustentou o paleoantropólogo português, ressalvando que tal “não quer dizer, evidentemente, que o não fizesse desde há mais tempo”. “Quer só dizer que estas são, de momento, as provas mais antigas que temos”, sublinhou o investigador e docente, também responsável pela descoberta do “crânio da Aroeira”.

“Há uma corrente de opinião que defende que o uso controlado do fogo é tão antigo como a humanidade (1,5 a dois milhões de anos) e outra que defende que só foi conseguido há menos de 50 mil anos (antes disso, os grupos humanos saberiam utilizá-lo, mas não produzi-lo)”, lembrou João Zilhão.

O investigador assinalou que mesmo as jazidas de Beeches Pit (no Reino Unido) e de Qesem (em Israel), apontadas como os mais antigos exemplos de conservação de lareiras”, possuindo vestígios como carvão, ferramentas de pedra e restos da caça consumida, têm datações imprecisas, variando, no caso da primeira jazida, entre 375 mil e 425 mil anos, e, na segunda, entre 200 mil e 300 mil anos.

Justificando a importância da produção e utilização controlada do fogo, já durante o Paleolítico Inferior (período entre três milhões e 250 mil anos), João Zilhão realçou, citado em comunicado da Universidade de Lisboa, que o lume permitiu “cozinhar alimentos, melhorando a qualidade da nutrição e alargando o leque de plantas comestíveis”. Além disso, era “uma fonte artificial de calor e aquecimento dos espaços residenciais [grutas], sem a qual, na Europa temperada, a sobrevivência humana durante o Inverno não teria sido possível”, adiantou o investigador.