Julgamento de Netanyahu: testemunhas ouvidas só a partir de Janeiro

Repetem-se manifestações contra o primeiro-ministro israelita sobretudo por causa da gestão da pandemia. Polícia responde com canhões de água, gás lacrimógeneo e detenções.

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Os manifestantes em Jerusalém foram surpreendidos pelo uso de um canhão de água pela polícia EPA/ABIR SULTAN

O tribunal em que decorre o julgamento do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, por crimes de corrupção decidiu-se por um meio-termo entre o pedido da acusação, que quer um processo mais rápido, e o da defesa, que quer adiá-lo o mais possível, decidindo ouvir testemunhas a partir de Janeiro de 2021.

A decisão acontece quando em Israel a contestação a Netanyahu aumenta, e aos manifestantes que há meses saem à rua contra o “crime-minister” (um jogo de palavras com “prime-minister”) juntam-se muitos mais descontentes com o modo como o Governo geriu a reabertura do país pós-confinamento.

Entre 9 de Junho e 12 de Julho, a confiança em Netanyahu como gestor da pandemia desceu de 47% para apenas 29,5%, segundo o centro de estudos Israel Democracy Institute.

Poder fazer uma melhor gestão da pandemia foi justamente o motivo para a formação de um governo de unidade após três eleições inconclusivas, juntando Netanyahu e o seu rival Benny Gantz. Ironicamente, foi sob este Governo que Israel deixou fugir a vantagem que mostrou no início da pandemia: há cerca de dois meses, registavam-se menos de 50 casos diários de infecção no país, na semana passada, a média foi de mais de 1800 novos casos por dia. No total, há mais de 49 mil infecções registadas e 406 mortes no país de cerca de nove milhões de habitantes.

As divisões do Governo sobre medidas de apoio à economia — Netanyahu acabou por anunciar um apoio único de cerca de 190 euros para todos os israelitas, uma medida que provocou insatisfação por não ter em conta a situação económica de cada um — e o papel do Exército na luta contra a covid-19 levaram a imprensa a especular sobre a existência de problemas suficientes na coligação para que pudesse vir a desfazer-se. 

Mas eleições não interessam a nenhum dos partidos, em especial ao do primeiro-ministro, que está em queda livre nas sondagens.

Nas ruas nota-se, entretanto, cada vez mais a insatisfação, com protestos diários e manifestações maiores ao fim-de-semana. Este sábado, protestos pacíficos em Jerusalém e Telavive foram marcados por dezenas de detenções e uso de canhões de água e gás lacrimogéneo pela polícia.

O país está prestes a entrar de novo em confinamento, com ginásios e restaurantes a encerrar esta semana, depois de antes terem voltado a ser fechados bares, salas de espectáculo e espaços culturais. A partir de agora, os fins-de-semana vão ser de confinamento total, com proibição até de ir à praia, mantendo-se em funcionamento apenas serviços essenciais.

A pandemia foi também invocada no julgamento de Netanyahu. A solução decidida pelo Tribunal de Jerusalém onde decorre o caso foi um compromisso entre o que queria a acusação, que era começar já a ouvir testemunhas, e o pretendido pela defesa, de o fazer apenas em meados de 2021, e de ter duas ou quatro audiências por semana — começando em Janeiro, haverá três audiências por semana.

Mesmo assim, a defesa de Netanyahu protestou: um dos advogados questionou como será possível saber se uma testemunha está a dizer ou não a verdade sem ver a sua expressão facial, por causa das máscaras. Não muito impressionada, a juíza que preside ao caso (Rivka Friedman-Feldman, que foi quem decidiu a condenação do antigo primeiro-ministro Ehud Olmert), disse apenas que são as regras em tempo de pandemia.

O processo deverá demorar vários anos (espera-se até cinco); há 310 testemunhas arroladas.

Segundo o Jerusalem Post, que acompanhou a sessão deste domingo (o primeiro dia útil da semana em Israel), a juíza expressou alguma irritação quando o novo advogado de Netanyahu, Yossi Segev, disse que só tinha sido pago para uma sessão. “Então o que estou eu aqui a fazer?”, exasperou-se a magistrada.

A questão do pagamento aos advogados de Netanyahu surgiu há duas semanas, após uma decisão impedindo o primeiro-ministro de pagar os honorários dos advogados através de doações de empresários, no valor de cerca de 2,5 milhões de euros, diz o Jerusalem Post. Ao longo do último ano, vários advogados da equipa legal de Netanyahu foram saindo por causa de falta de pagamento de honorários. Segev, que entrou na equipa apenas na semana passada, disse que iria então esclarecer a questão dos honorários com o primeiro-ministro.

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