Liberdade condicional: viver na Polónia no pós-eleições 2020

A 12 de Julho, a Polónia reelegeu o presidente Duda, um político conservador de direita. Para quem não está a par, Duda promoveu a família de “um homem, uma mulher e as suas crianças”, mostrando-se totalmente contra o aborto, a adopção por casais do mesmo género, a comunidade gay (apelidando-a de “ideologia de género” pior do que o comunismo) e incitando à violência.

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Andrzej Duda Reuters/AGENCJA GAZETA

Quando escrevemos Polónia, uma das perguntas-chave no Google é: “A Polónia é um país seguro?”. A resposta do browser é sim, que é um país seguro. No entanto, opinião diferente tem as pessoas que cá vivem.

Vivo na Polónia desde Janeiro de 2017. Foram as oportunidades de emprego e a qualidade de vida que me fizeram ficar. Quando comecei a debater vários temas, apercebi-me de algumas diferenças em relação a Portugal: os preservativos e as pílulas não são facultados nos centros de saúde; a pílula do dia seguinte não está disponível nas farmácias e apenas é cedida se o médico autorizar; os gays têm “amigos/as” e não companheiros; e a opinião da igreja tem uma enorme importância. O peso da Igreja Católica é tão forte no país que se realizam manifestações contra o aborto nas ruas, com padres e freiras à frente da marcha, fotografias de fetos mortos em diferentes fases da gestação e uma música alusiva ao tema.

Desde que vivo na Polónia só conheci um presidente, o presidente Duda, eleito em Agosto de 2015 e reeleito em Julho de 2020. A primeira ronda de eleições não deu a maioria absoluta a nenhum dos candidatos e partimos (aqui sim, com alguma esperança) para a segunda ronda de eleições — Duda versus Trzaskowski. A 12 de Julho último, a Polónia reelegeu o presidente Duda, um político conservador de direita. Para quem não está a par, Duda, durante a sua campanha, promoveu a família de “um homem, uma mulher e as suas crianças”, mostrando-se totalmente contra o aborto, a adopção por casais do mesmo género, a comunidade gay (apelidando-a “ideologia de género” pior do que o comunismo) e incitando à violência. 

Decidi falar com várias pessoas (polacas e estrangeiras) que vivem aqui (e preferem anonimato). A Pessoa 1 contou-me que vai sair da Polónia. É polaca, de Sandomierz, mas procura um país onde tenha liberdade de expressão, em que não se sinta insegura por ser mulher nem pelos seus amigos gays. Sente-se triste pelo país em que a Polónia se está a tornar. “Até a minha família está dividida entre pessoas que defendem a liberdade de escolhas e pessoas que estão radicakmente contra a comunidade gay e o aborto”, confessa.

Praticamente todos os entrevistados observam uma Polónia dividida. Mas, ao contrário da resposta que eu imaginava — divisão campo/cidade —, as respostas focaram-se mais no nível de educação dos polacos e menos na localização, o que comprova também o mapa eleitoral.

Um outro entrevistado, Pessoa 2, que se considera um bom ser humano e com uma mente aberta, acredita que, nos próximos três anos, muitos polacos, para além de uma vasta maioria de estrangeiros, começarão a equacionar procurar outro país para viver: “Temos a certeza que, nos próximos anos, nada vai mudar e, se mudar, vai ser para pior”. A Pessoa 3 não pôde assumir aos pais que é gay. Durante o tempo em que viveu com um companheiro, visitava os pais sozinho ou acompanhado do “amigo” e frequentava a missa aos domingos. “Para os meus pais, o mais importante são as aparências. Eles sabem que sou gay, mas não o verbalizam.”

Confesso que é assustador viver num país onde a democracia está a ser constantemente abalada, em que o ultra nacionalismo cresce, em que ser-se “pessoa” já não é suficiente. Um dos entrevistados – Pessoa 4 – revelou ainda que “a Polónia já está contra os próprios polacos, portanto, com o tempo estará também de costas voltadas para os estrangeiros”. Duda ganhou as eleições e a Polónia parece estar prestes a perder a sua liberdade.

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