Morreu a bailarina e cantora Zizi Jeanmaire, a mulher da vida e da obra de Roland Petit

Musa do coreógrafo francês Roland Petit, que conheceu quando ambos tinham nove anos, transgrediu as fronteiras dos estilos em dança, arte que conciliou com a música e o cinema. Tinha 96 anos.

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"Carmen" (1949) foi originalmente dançada por Zizi e Roland Petit e considerada um marco da história da dança francesa Baron/Getty Images

Fez formação como bailarina clássica mas rapidamente percebeu que a sua vida não ficaria confinada ao Ballet da Ópera de Paris, que abandonou ao 19 anos porque não foi promovida e, sobretudo, porque queria conhecer o mundo. E fê-lo, também como actriz e cantora. Zizi Jeanmaire, estrela do musical, ícone parisiense do palco e da moda, musa de um dos coreógrafos mais populares da segunda metade do século XX, Roland Petit (1924-2011), morreu esta quinta-feira na sua casa na Suíça, noticia a Agência France Presse (AFP) citando a filha de ambos, Valentine Petit. Tinha 96 anos.

Nos obituários que lhe dedica a imprensa francesa fala-se da sua imensa energia, da sua capacidade de atrair, da facilidade com que saltava de uma arte para a outra, de um estilo para o outro, “baralhando as fronteiras tradicionais da dança, da canção e do musical”, escreve a AFP.

Nascida Renée Marcelle Jeanmaire em 1924, Zizi conheceu Petit na escola do Ballet da Ópera de Paris quando tinham nove anos, um encontro decisivo que marcou toda a sua vida. 

“Primeiro brincámos como brincam as crianças, em total liberdade, sem limites, e depois caímos nos braços um do outro e nunca mais quisemos separar-nos”, contou o coreógrafo numa entrevista televisiva em 2007 ao falar da mulher que foi fonte de inspiração para todas as suas criações, mais de 100.

Carmen (1949), originalmente dançada por ele e por Zizi e considerada um marco da história da dança francesa, talvez por ser sexualmente muito sugestiva para a época, foi a peça que a tornou famosa, uma das que mais dançou nos palcos de Paris, de Londres e de Nova Iorque. Zizi no papel principal, com o cabelo curto que ficaria como a sua imagem de marca (juntamente com as pernas muito finas quase sempre nuns collants pretos e os olhos de pássaro contornados com um grosso risco), Petit no de Don José. 

Na Broadway a bailarina, sempre irreverente e sedutora, não passou despercebida ao milionário e produtor Howard Hughes nem à imprensa norte-americana, que passou a referir-se a Zizi de forma absolutamente sexista como “The Body”.

Os anos 1950 trouxeram-lhe muitas outras produções — como Le Croqueuse de Diamants, um ballet em que às sapatilhas de pontas se juntavam as canções — e a passagem pelo cinema em filmes como Hans Christian Andersen, de Charles Vidor, e Folies-Bergère  e Guingette, de Jean Delannoy.

A passagem por Hollywood alargou a rede de contactos de Zizi e Petit — Chaplin, Marilyn Monroe, Fred Astaire e Orson Welles —, da qual já constava uma impressionante lista de colaboradores, com destaque para artistas como Brassaï, Picasso e Max Ernst; costureiros como Christian Dior e Yves Saint Laurent, que a vestiu durante 40 anos; e autores como Jean Cocteau, responsável pelo libreto de Le Jeune Homme et la Mort.

Esta peça de 1946 que hoje integra o reportório de várias companhias europeias e americanas é por muitos eleita como a grande obra do catálogo de Petit, celebrizada na versão filmada de 1966 em que Zizi tem por amante o extraordinário Rudolf Nureyev, num pas-de-deux intenso em que ela o leva ao suicídio.

Em 1961, já com o casal regressado de Hollywood, Zizi Jeanmaire estreia o número musical que a torna verdadeiramente popular junto do grande público, Mon truc en plumes, envolta num figurino coberto de plumas de avestruz desenhado por Saint Laurent. A década seguinte fá-la-ia subir ao palco em revistas de grande sucesso no Casino de Paris, que o casal explorava. 

Foi como cantora e não como bailarina, naturalmente, que Zizi se despediu do público em 2000, aos 76 anos. Cantou na Ópera da Bastilha temas de Gainsbourg, Béart, Ferrat e Galliano, entre muitos outros, lembra agora o diário Le Figaro.

“A minha única tragédia será não voltar a subir ao palco”, disse. “Há quem diga que é possível superá-la fazendo trabalhar outros artistas, mas eu não. Transmitir os meus papéis a outros aborrece-me: falta-lhes o temperamento.” 

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