Sociedade de Oncologia propõe via verde do cancro para melhorar resposta aos doentes
Presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia sugere trabalho em rede para encurtar tempos de resposta entre consulta, diagnóstico e tratamento. Na CUF, onde é directora clínica para a área da oncologia, houve uma redução de 50% nos novos diagnósticos de cancro nos últimos três meses.
Pode a criação de uma via verde do cancro ajudar a melhorar a resposta aos doentes oncológicos? A presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) acredita que esta solução pode ajudar a reduzir os tempos de espera que se vão somando entre a primeira ida ao médico, o diagnóstico e o início do tratamento devido a entropias criadas pela covid-19. A médica admite que recuperar os diagnósticos em atraso “poderá levar meses” porque a pandemia ainda não está resolvida.
A presidente da SPO socorre-se dos dados que melhor conhece para lançar o alerta do efeito da pandemia na doença oncológica. Enquanto directora clínica da CUF Oncologia, Ana Raimundo contabilizou uma redução de 50% nos novos diagnósticos oncológicos nos últimos três meses, com 630 casos de cancros diagnosticados, quando em circunstâncias normais diagnosticariam perto de 1120.
“Verificamos foi que na primeira fase do confinamento - entre Março e Abril - tivemos uma redução muito drástica, de quase 80% de novos diagnósticos de cancro. Agora, observa-se uma recuperação”, diz Ana Raimundo, mas ainda longe dos números normais. “Em média diagnosticávamos cerca de 80 casos oncológicos por semana e neste momento diagnosticamos cerca de metade.” Os cancros da mama, próstata, colo-rectal foram alguns dos menos diagnosticados entre 16 de Março e 2 de Maio.
Ana Raimundo não conhece os números dos restantes hospitais, mas admite um cenário idêntico. “A incidência não diminuiu, só que nesta fase estamos a diagnosticar menos”, diz. As razões “são multifactoriais”. A presidente da SPO dá o exemplo do receio dos doentes que os levou a adiar a ida ao médico, mas também das dificuldades relacionadas com o sistema como problemas na marcação de consultas nos centros de saúde e o maior espaçamento no agendamento de exames, das consultas e nas cirurgias. “Desde o início dos sintomas a um diagnóstico, o que poderia demorar um mês agora provavelmente demora dois meses ou mais”, diz, admitindo que se possa vir a assistir “a médio/longo prazo - três, cinco anos – a um agravamento das taxas de mortalidade por cancro.”
Como resolver o problema? “É preciso ter a ideia de quantas consultas, exames, diagnósticos deixaram de ser feitos. Acho que falta esse retrato, para depois se arranjarem as melhores soluções dentro dos recursos que se têm”, afirma. Na CUF, criaram uma via verde para o cancro. “Tentamos optimizar para quando existe uma suspeita de cancro, as consultas e os exames sejam feitos o mais rápido possível”, o que levou a uma organização por blocos de horas dedicados para atender estes casos, permitindo agilizar melhor a resposta.
No caso do serviço público, “deveria tentar fazer-se algo semelhante”, diz Ana Raimundo. A sugestão da SPO, feita ao Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, passa por uma articulação em rede. “Muito provavelmente os recursos humanos deveriam estar centralizados para criar a via verde, para que não tivesse a entropia causada pelo covid de maneira a responder o mais rapidamente possível.”
“Isto exige um esforço e uma articulação entre vários hospitais, entre os recursos humanos, poderia até implicar desvio temporário de recursos humanos de uns hospitais para outros. Implica um trabalho imenso, mas acho que é por aí que se deveria caminhar. A ideia de uma via verde do cancro tem de ser feita para diagnósticos e tratamentos”, considera, lembrando que a existência de listas de espera anteriores.
Carregar no acelerador
“A ideia é boa”, refere o coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, José Dinis, para dizer que de alguma maneira já está incorporada nos diferentes hospitais. “A oncologia foi sempre prioritária. Diz concordar com a sugestão das vias verdes, mas lembra que “no sistema público, cada um dos hospitais e centros hospitalares tem a sua realidade e se calhar a optimização passa por medidas que em cada unidade não são as mesmas”, podendo as Administrações Regionais de Saúde ter um papel importante por conhecerem as realidades de cada região.
As vias verdes, considera, “fazem mais sentido em patologias mais agressivas, como por exemplo no cancro do pulmão, em que um doente em três semanas ou um mês deve estar diagnosticado e em tratamento”. “Tem de ser uma avaliação fina, feita caso a caso”, aponta José Dinis, acrescentando que a coordenação quer “reforçar o conceito de triador”. “Quando chega um caso, há uma pessoa responsável por categorizar em prioridades por diagnóstico, o que inclui consulta, estadiamento, tratamento e cirurgia”.
Sem monitorização de dados ao dia – essa é uma capacidade que a coordenação não tem –, José Dinis explica que já fizeram um pedido ao Ministério da Saúde para acesso a dados do segundo semestre de 2019 e do primeiro semestre de 2020 de forma a fazerem uma análise. Mas mesmo sem um retrato fino, não é difícil perceber que houve uma diminuição da capacidade de resposta.
“Os IPOs representam 25% a 30% da oncologia. Nos hospitais gerais foi dada indicação para suspender para responder à covid. Tivemos hospitais com menos de dez casos de covid mas estava tudo suspenso. A paragem dos centros de saúde, se as consultas não funcionam, os doentes não chegam ao diagnóstico. Há trabalho acumulado”, aponta.
O importante agora, afirma, minimizar o risco de infecção dos doentes oncológicos – o que já está previsto com a separação de circuitos – e aumentar a resposta. “Tudo tem de funcionar em conjunto. O que se fez tem de ser encarado como um treino. O inverno vai ser complicado e temos de carregar no acelerador. Acima de tudo o sistema tem de fazer mais: Mais horas extraordinárias que têm de ser pagas, mais empregados, mais cirurgias”, diz José Dinis.