Mesmo sem serviços da Google, Huawei continua a crescer

Ana Lorena, responsável pelo marketing da Huawei, e Shen Yun, responsável pela unidade de consumo da Huawei em Portugal, fala com o PÚBLICO sobre os resultados, a estratégia e os objectivos da marca.

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Analistas dizem que a liderança no mercado dos telemóveis não é sustentável Aly Song/Reuters

Apesar da pandemia da covid-19, da desconfiança em torno do 5G, das restrições dos EUA e do Reino Unido, e da falta de serviços da Google, a receita da Huawei continua a crescer. Mesmo que mais lentamente. Esta semana a gigante chinesa anunciou os resultados para a primeira metade de 2020: ao todo, a tecnológica conseguiu 454 mil milhões de yuans (cerca de 57 mil milhões de euros), durante os primeiros seis meses do ano. É um aumento de 13,1% em relação ao período homólogo (entre 2018 e 2019 o aumento tinha sido de 23,2%).

O segmento de electrónica de consumo (telemóveis, tablets e portáteis) continua a representar a maior parte da receita: 255,8 mil milhões de yuans (32,11 mil milhões de euros). E em Abril e Maio a marca liderou as vendas de smartphones a nível mundial, com cerca de 19% do mercado, segundo dados divulgados pela analista Counterpoint Research. 

“O mercado da China contribuiu muito para chegarmos ao topo”, admite ao PÚBLICO Shen Yun, responsável pela unidade de consumo da Huawei em Portugal, sobre a liderança. “Ainda assim, mesmo com a pandemia notámos um crescimento a nível global. A verdade é que já temos experiência a ultrapassar o impacto de problemas como a covid-19.”

Oferta não faltou. Desde o início do ano, a Huawei lançou mais de uma dúzia de novos telemóveis, incluindo o topo de gama dobrável Mate XS (lançado por 2499 euros) e o P40 Pro + (1399,99 euros). Para já, porém, 70% vendas a nível mundial ainda são de telemóveis mais antigos com os serviços da Google.

“A liderança da Huawei não é sustentável. Os valores de Abril e Maio foram empurrados pela saída da China do desconfinamento a meados de Março”, defende Tina Lu, analista na Counterpoint Research, em conversa com o PÚBLICO sobre os resultados.

Apesar da queda em Janeiro e Fevereiro, o mercado chinês recuperou muito bem. Em Maio, as vendas na China representaram 74% do total de vendas globais da Huawei. Nos outros países tem existido uma estratégia muito agressiva ao nível de descontos e promoções de telemóveis de baixa ou média gama que ainda vêm com os serviços do Google”, continua Lu. “Não prevemos que a Huawei consiga manter a liderança mundial a longo prazo.”

É uma opinião partilhada por Francisco Jerónimo, analista da IDC. “É impossível prever quanto tempo a liderança da Huawei vai durar, mas a empresa não pode depender eternamente de telemóveis antigos, com os serviços do Google. Quando um telemóvel ultrapassa os 24 meses do lançamento, torna-se mais difícil vendê-lo.”

Desde 2019 que a Huawei faz parte de uma “lista negra” de entidades às quais as empresas americanas — como a Google —  não podem fornecer serviços ou produtos devido a uma disputa comercial entre os EUA e a China. Isto impede os telemóveis de ter acesso à loja de aplicações Google Play, e aos serviços de subscrição do YouTube como o YouTube Music e o YouTube Premium.

“Sem Google, a Huawei continua a crescer”, sublinha, no entanto, Ana Lorena, responsável pelo marketing da Huawei em Portugal, em conversa com o PÚBLICO. “Como são as vendas sem os serviços do Google? Estamo-nos a adaptar. Nos últimos dois anos temos feito mudanças essenciais, lançámos a nossa loja de aplicações, a AppGallery, e continuamos a trabalhar com parceiros para que os consumidores possam continuar a usufruir das aplicações preferidas”, explica. “Também continuamos a trabalhar junto do Governo para garantir que aplicações como o Estamos On, que dão informação sobre a covid-19, ou a Info Praias, estão disponíveis.”

O objectivo é que telemóveis sem serviços do Google passem a representar 50% das vendas nos próximos três meses. Mais de 650 milhões de utilizadores Huawei em 170 países e regiões já têm acesso à AppGallery. Em Portugal, o segmento mais forte é o segmento entre os 300 e 400 euros, embora os telemóveis topo de gama também continuem a ter bastante procura. 

Alternativas e atalhos para copiar serviços Google

“É claro que ainda faltam aplicações na AppGallery que as pessoas estão habituadas a utilizar”, reconhece Shen Yun.

Uma das estratégias mais recentes é a Petal Search, uma aplicação desenvolvida pela Huawei que desde Maio permite ao utilizador aceder directamente aos pacotes de instalação de aplicações (APK) que ainda não fazem parte da AppGallery, como é o caso da Netflix, a ANA Aeroportos, a Uber, vários serviços bancários ou o Twitter. Embora resolva parte do problema, continua a ser impossível ter acesso às aplicações nativas da Google. Algo que a Petal App tenta disfarçar ao criar atalhos automáticos para as páginas online de alguns serviços.

Entre 15 de Maio de 30 de Junho, Portugal registou 10 mil downloads para o serviço Petal Search.

“Quando a aplicação não pode ser instalada no telemóvel, por exemplo, como o Youtube, criamos um atalho para o site”, explica Shen Yun. Porém, quem pague os pacotes de subscrição do YouTube, para ver vídeos e ouvir música offline, ter acesso a séries exclusivas, e ver vídeos sem anúncios, não os pode utilizar nos telemóveis da Huawei. “O objectivo da Petal Search é complementar a nossa loja de aplicações. Satisfazer todos os nossos clientes com a AppGallery vai ser sempre um desafio num curto período de tempo.”

Há outros desafios. Fora do mercado dos telemóveis, a desconfiança face à tecnologia 5G da empresa continua a crescer. Esta terça-feira, por exemplo, o Governo do Reino Unido decidiu que as operadoras de telemóvel britânicas vão ter de remover todo o equipamento da empresa chinesa Huawei usado na infra-estrutura de telecomunicações 5G até ao final de 2027. Embora isto não influencie a disponibilidade de smartphones e outros dispositivos Huawei no país, é mais uma restrição com que a empresa chinesa tem de lidar.

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