NOVA de cócoras perante os interesses? Começar de novo!
Espera-se que as autoridades competentes atuem e não abafem o assunto com os “paninhos quentes” do costume. Vou estar atento a bem da honra de todos, culpados ou inocentes (não sei): eu e muitos professores indignados da UNL, que até têm medo de se exprimir por eventuais represálias de processos disciplinares…
1. Como professor fundador da NOVA Direito (e já passaram 23 anos), é com particular tristeza que assisto a várias notícias sobre a Universidade Nova de Lisboa (UNL) a respeito da mistura entre o interesse público e interesses privados, ou sobre decisões que tornam o seu ambiente democrático ainda mais “asfixiante”.
Nem vale a pena falar da óbvia ilegalidade da posição de alguém que, devendo estar em exclusividade para melhor se dedicar à direção de uma faculdade, conforme impõe o RJIES (arts. 90.º e 93.º), tem uma “segunda vida profissional de milhões”. Tal só piorando ao invocar-se uma norma dos estatutos da UNL que é interpretada como permitindo ao reitor “autorizar tudo e mais alguma coisa” aos diretores, a qual só pode ser ilegal por violar o RJIES, que não prevê qualquer exceção à exclusividade, nem o poderia prever.
Neste ponto, foi avisado o Estatuto da Ordem dos Advogados: o advogado não pode ser “…membro de órgão de administração, executivo ou diretor com poderes de representação orgânica (…) de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local” [art. 82.º, n.º 1, als. j), e i), do EOA].
2. Na minha opinião, as responsabilidades são até de vário tipo:
– as responsabilidades políticas do atual ministro que homologou estatutos com normas destas, ele que devia zelar pela sua legalidade, com a curiosidade de o ter feito há poucos meses numa nova versão dos mesmos e de ter sido ele também o secretário de Estado na altura da aprovação do RJIES;
– as responsabilidades financeiras de quem prejudica os dinheiros públicos, autorizando e recebendo ordenados e subsídios indevidos por uma exclusividade que não existe, recordando relatórios que o TdC fez sobre unidades orgânicas da UNL;
– as responsabilidades disciplinares de quem autorizou e de quem praticou tais atos em violação desta legalidade académica, pois que há regras deontológicas que cuidam da proteção de uma função de interesse público; e
- as responsabilidades académicas de quem governa a UNL, para quem está tudo bem, não havendo demissões a exigir ou a apresentar, e com a frouxa “fuga para diante” da criação de uma “comissão independente” para explicar o que está na Constituição e na lei sobre os direitos e os deveres dos funcionários públicos, que é o que são os docentes de uma universidade pública, que integra a Administração Pública Portuguesa.
Espera-se que as autoridades competentes atuem e não abafem o assunto com os “paninhos quentes” do costume. Vou estar atento a bem da honra de todos, culpados ou inocentes (não sei): eu e muitos professores indignados da UNL, que até têm medo de se exprimir por eventuais represálias de processos disciplinares…
3. Mas há males que vêm por bem e este episódio só nos deve fazer repensar sobre um conjunto de decisões pouco pensadas.
Evidentemente que a opção de, em Carcavelos, fazer uma estrutura jurídico-financeira fundacional paralela à UNL – e que com ela nada tem que ver – suscita as maiores reservas.
O RJIES prevê que as universidades se possam transformar em fundações, mas não prevê que as universidades sejam “comandadas” por outras fundações delas independentes e totalmente privadas...
O cúmulo é mesmo que uma fundação, com um património angariado à custa do nome e do prestígio de certa universidade, depois lhe exija contrapartidas financeiras. O que está a suceder revela os efeitos nefastos da indigesta junção do poder económico com o poder académico.
Já sabíamos que o poder económico “mandava” no poder político, não obstante a Constituição dizer o contrário no seu art. 80.º. Agora ficámos a saber que o poder económico também “manda” no poder académico!
4. O modelo de governo trazido pelo RJIES mostra aqui também as suas maiores perversões, concentrando todo o poder em dirigentes que se podem tornar em “pequenos ditadores de escola”.
O assunto fica mais sombrio se se juntar a experiência do caráter servil de alguns conselhos gerais de universidades públicas, que devem ser independentes, e com um presidente a escolher de entre os membros externos.
Onde está a “habilidade”? Na escolha prévia de pessoas que antecipadamente garantam as fidelidades, em ordem à continuidade das coisas, acontecendo que pode ser o mesmo órgão que escolheu o anterior reitor a escolhê-lo para o novo mandato.
É preciso explicar mais?
Professor Catedrático da NOVA Direito
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico