Ode à representatividade
Temos aqui a verdadeira “pescadinha de rabo na boca”: quanto menos professoras catedráticas negras houver em Física, por exemplo, menos jovens negras considerarão seguir essa carreira, tornando-se impossível aumentar o número de professoras catedráticas negras em Física.
Vamos fazer um exercício. Aos três, diz o nome do primeiro actor de que te lembres. Um, dois, três! Agora, de uma actriz. Realizador(a). Escritor(a). Chefe de Estado. Atleta. Cientista.
Se a tua lista é maioritariamente composta por homens brancos, já somos dois (Sean Penn; Jennifer Lawrence; David Fincher; Saramago; Obama; Michael Phelps; Marie Skłodowska-Curie). Infelizmente, não somos, certamente, os únicos. Porquê?
Entre 1901 e 2019, o Prémio Nobel foi atribuído a apenas 54 mulheres, num total de 950 laureados. Em 92 anos de existência, o Óscar de Melhor Realizador foi atribuído a apenas uma mulher, Kathryn Bigelow, e Halle Berry permanece a única actriz negra detentora de um Óscar de Melhor Actriz Principal (apenas 19 de 352 óscares nas categorias de representação foram atribuídos a actores ou actrizes negros). Até 2016, só 44 países do mundo tinham tido uma mulher como Chefe de Estado; a primeira, Khertek Anchimaa-Toka, foi eleita em 1940. Por fim, foi preciso esperar até 1989 para que o agora professor Sir Geoff Palmer se tornasse o primeiro professor catedrático negro na Escócia.
Estes dados reflectem a falta de representatividade na cultura, ciência e política que, em 2020, ainda se faz sentir. Ou seja, há géneros e etnias que não se encontram proporcionalmente representados em diversas posições na sociedade, em especial nas posições de destaque. Infelizmente, temos aqui a verdadeira “pescadinha de rabo na boca”: quanto menos professoras catedráticas negras houver em Física, por exemplo, menos jovens negras considerarão seguir essa carreira, tornando-se impossível aumentar o número de professoras catedráticas negras em Física.
Como quebrar este efeito circular? Há várias formas de o fazer — e muitas estão já a ser implementadas. É o caso das quotas. Por muito que este conceito me tenha indignado em adolescente (sempre quis ser bem-sucedida por mérito próprio, não por ser mulher), percebo, agora, que ainda não vivemos num mundo onde exista verdadeira igualdade de oportunidades para todos, independentemente de género e etnia. As quotas constituem uma solução mais rápida, e apenas temporária, para começar a equilibrar os pratos da balança. Em paralelo, é necessário apostar na educação, evidentemente. Por exemplo, a instituição de caridade The Brilliant Club, no Reino Unido, tem conseguido aumentar a proporção de alunos de contextos sociais desfavorecidos a entrar em universidades de topo, através de workshops dados por investigadores académicos.
Por fim, não poderá, também, a cultura contribuir para esta causa?
Não, não é racismo ter, num filme, um vilão negro ou uma empregada da limpeza da América Latina; nem será homofobia que a única personagem LGBT+ seja um cabeleireiro com características tradicionalmente femininas. Mas este repisar de estereótipos é, na melhor das hipóteses, pequenino, repetitivo e desinteressante; na pior das hipóteses, contribui para a tal “pescadinha de rabo na boca”, convidando crianças negras a acreditar que o máximo a que podem aspirar na vida é desempenhar um papel visto como secundário pela sociedade. Não quero que o James Bond passe a ser a Wang Min Adebayo, uma lésbica sino-nigeriana. Reconheço o papel que este e outros filmes e séries desempenharam na sociedade, marcando gerações e sendo, muitas vezes, inovadores para o seu tempo. Simplesmente peço que contribuamos, todos nós, para que haja espaço, no futuro, para mais histórias mais diferentes. A tal representatividade.
O futuro começa agora. Vamos?