Terra de Miranda quer “repor a justiça” na exploração das barragens de que só Lisboa sai beneficiada
Impactos ambientais das barragens, falta de apoios financeiros e insegurança nas pedreiras são queixas antigas das populações de Miranda do Douro e de Mogadouro. Surgiu assim o Manifesto Cultural da Terra de Miranda, um movimento popular que quer acabar com as injustiças que afectam a região.
Já há décadas que os problemas se arrastam e as populações de Miranda do Douro e de Mogadouro já não querem esperar mais para resolver as injustiças de que dizem sofrer por terem de aguentar os problemas causados pelas barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta sem que haja um retorno financeiro que beneficie as suas terras. O Manifesto Cultural da Terra de Miranda tem já cerca de 700 assinaturas e conta com o apoio de várias associações da região e dos municípios em causa.
A ideia para o manifesto surgiu depois de uma conversa entre o músico Paulo Meirinhos e o ex-subdirector-geral da Justiça Tributária e Aduaneira, José Maria Pires, ambos naturais de Miranda do Douro. A recente venda de seis barragens da EDP, entre as quais as três localizadas em Terras de Miranda, a um consórcio francês por 2200 milhões de euros trouxe o tema novamente à agenda mas as reivindicações já são antigas.
“O abandono da pedreira mostra o abandono das Terras de Miranda e da sua cultura. Fica no centro de Miranda e tem trazido vários problemas para a cidade”, começa Paulo Meirinhos, em referência à pedreira de onde foi retirado o granito usado na barragem. Para além dos problemas ambientais causados pelas pedreiras, há também perigos para a segurança e para a saúde, devido à acumulação de águas residuais. Aníbal Fernandes, que foi presidente do já extinto consórcio Eneop (Eólicas de Portugal), espera que não haja “nenhum acidente como o de Borba”, relembrando a derrocada que matou cinco pessoas em 2018.
O manifesto aponta também injustiças financeiras e fiscais. Aníbal Fernandes refere que, em média, a receita anual da exploração das barragens é de 200 milhões de euros mas sublinha que os municípios locais saem prejudicados. Já José Maria Pires fala de um “aspirador central”. “As receitas fiscais geradas beneficiam apenas o poder central. Mesmo os impostos municipais beneficiam quase exclusivamente a cidade de Lisboa por lá se encontrar a sede da EDP”, explica.
A cobrança da derrama municipal também beneficia mais Lisboa já que a maioria da “massa salarial do concessionário” fica na capital, uma situação que considera “incompreensível”. Verifica-se a mesma situação no imposto sobre a venda de barragens, que era cobrado pelas autarquias mas que desde 2003 é cobrado pelo Estado. “Há um outro tributo, a taxa de recursos hídricos, que é uma receita do fundo ambiental que tem por missão aplicar este dinheiro na recuperação ambiental nas margens dos rios. Há muito que estas pedreiras deviam ter sido recuperadas, mas estes fundos estão a ser utilizados para se financiar os passes sociais” de Lisboa e Porto, afirma José Maria Pires.
Apesar das críticas à situação actual, os subscritores do manifesto realçam que não são contra a EDP e que não querem aumentar a dívida ou o défice, desejando apenas o fim da centralização de fundos que deviam ser utilizados para mitigar os efeitos negativos da barragem. Entre as principais reivindicações do manifesto, destacam-se a canalização da derrama para os municípios onde ficam as barragens, a aplicação das receitas fiscais da eléctrica nas regiões afectadas e que a taxa de recursos hídricos cobrada pelo Estado relativamente à utilização dos recursos fluviais na Terra de Miranda seja devolvida aos municípios.
“O modelo actual contraria o discurso oficial repetido ao longo de anos sobre o desenvolvimento regional e o combate à desertificação, aquilo que praticamos é o contrário do que dizemos. Temos o propósito de corrigir estas injustiças, porque um país justo é um país mais civilizado e uma das razões da falta de desenvolvimento económico é a desigualdade territorial e todos os portugueses são afectados com este problema”, conclui José Maria Pires, que acrescenta também a intenção de levar o tema à Assembleia da República.
O manifesto está disponível online, assim como o formulário para a assinatura.
Texto editado por Ana Fernandes