A Sick é um “espaço seguro” feito por pessoas com doenças crónicas e deficiências
Escrita e ilustrada inteiramente por pessoas com doenças crónicas ou deficiências, Sick é a revista que Olivia Spring gostava de ter tido para se sentir “menos sozinha”. O segundo número saiu em Maio e reúne ensaios, entrevistas, poemas e arte visual de 20 autores.
No quarto, Olivia Spring criou uma revista escrita por “outras pessoas nos seus quartos”. A pandemia de covid-19 não atrasou o lançamento do segundo número da Sick, uma publicação feita inteiramente por pessoas com doença crónica ou deficiências, muitas vezes invisíveis. “No Reino Unido, quando começámos o confinamento em Março, nada mudou muito na minha rotina. Por causa da minha doença, passo muito tempo no interior. Não afectou muito a produção porque tudo é feito remotamente. Sou só eu no meu quarto e outras pessoas nos seus quartos. Mas trouxe definitivamente um novo significado e eu pensei que era uma boa altura para a lançar.”
Com ensaios, entrevistas, poemas e ilustrações de 20 autores, a editora achou que a “revista consciente” poderia ser “algo que as pessoas precisassem, neste momento”. O segundo número saiu em Maio e está à venda online (8,87 euros) e, em Portugal, na Under the Cover, livraria em Lisboa.
Olivia sofre de várias doenças crónicas. Depois de se licenciar em Jornalismo na Universidade de Londres, planeava ganhar experiência de trabalho antes de lançar a publicação que projectara no segundo ano do curso, aos 19 anos. “Senti que não podia fazer uma revista e chamar-me editora sendo tão nova. Senti-me uma fraude total”, partilha. Mas depois de trocar a caótica Londres pela muito mais sossegada Norwich, cidade no Leste de Inglaterra a partir de onde fala ao telefone com o P3, começou a trabalhar part-time num bar.
A atravessar um período de saúde menos conturbado, e com “tempo e um bom ambiente para criar”, atirou-se a todos os livros, listas, rabiscos e contactos de outros criadores de revistas independentes que conseguiu encontrar. O “aumento na cobertura [noticiosa] da saúde da mulher e das doenças crónicas” marcou o terreno para um lançamento que, agora, diz ter chegado na “altura certa”. “Fico muito contente por a Sick fazer parte desse momento”, conta.
A revista não publica trabalhos que incluam conselhos médicos, histórias sobre tratamentos, dietas ou medicina alternativa ou dicas de bem-estar. Tirando estes temas, “as submissões são completamente livres”. “É uma das minhas partes favoritas, ler as diferentes submissões. Inicialmente não queria limitar pessoas com deficiência a falarem apenas sobre temas relacionados com deficiência, porque afecta tanto as nossas experiência na vida que se alastra para tudo. Mas reparei que 95% das submissões são directamente relacionadas com doença e deficiência”, conta.
Num artigo que assinou recentemente para a It’s Nice That, a escritora e editora falou com outros artistas sobre as mudanças que urgem para tornar os locais de trabalho mais inclusivos. “Atributos-chave que podem ajudar a tornar um emprego acessível para pessoas doentes ou com deficiência incluem teletrabalho, horas flexíveis, comunicação aberta e prazos de entrega moldáveis. Mas acesso físico, empatia e compreensão são cruciais”, escreveu. No artigo, uma designer e professora, diagnosticada com várias doenças crónicas, salientava a importância de ter “representatividade nas indústrias criativas”. “Somos inerentemente criativos porque o mundo não foi feito por nós”, dizia-lhe.
“Até quando faço trabalho freelance me sinto desconfortável por pedir mais tempo, com medo de que se pedir uma extensão do prazo de entrega o trabalho nunca vai ser publicado”, relata a jovem, actualmente a trabalhar num livro de não-ficção que a levou a revisitar leituras e diários antigos.
“Acho que me teria ajudado muito ter segurado em algo nas minhas mãos que falasse sobre tantas experiências diferentes, para me sentir menos sozinha. Mesmo que saibas as estatísticas, que saibas que X pessoas têm esta doença, isso não ajuda necessariamente com o que podes sentir quando estás literalmente sozinha, porque não conheces ninguém que esteja a passar pelo mesmo”, diz. “Na Sick, só quero reassegurar as pessoas de que as ouço, acredito nelas e que não têm de se justificar. Queria que fosse muito acolhedor e receptivo. Simplesmente um espaço seguro. Acho que não há muitos onde toda a gente envolvida é uma pessoa com deficiência. É uma comunidade muito especial para ter.”