Novo gabinete de segurança de Pequim em Hong Kong tem autonomia, autoridade e já está operacional

Polémica instituição criada pela nova lei de segurança nacional foi inaugurada esta quarta-feira e tem poderes para investigar e extraditar pessoas para a China continental. Será dirigida por funcionários da “linha dura” do Partido Comunista chinês.

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Enorme aparato policial nas imediações do gabinete chinês Reuters/TYRONE SIU
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Novo gabinete de segurança da China em Hong Kong está sediado num antigo hotel ISD HANDOUT/EPA

A República Popular da China inaugurou esta quarta-feira o seu novo quartel-general em Hong Kong, a partir do qual já pode investigar, vigiar e extraditar cidadãos que entenda estarem a incumprir a controversa lei de segurança nacional, em vigor há cerca de uma semana na região administrativa especial chinesa. O gabinete de segurança de Pequim está sediado num antigo hotel no bairro de Causeway Bay – um dos principais palcos de protestos dos últimos anos do movimento pró-democracia – e será dirigido por representantes da “linha dura” do Partido Comunista chinês (PCC).

Intitulado de Gabinete para a Salvaguarda da Segurança Nacional do Governo Central Popular na Região Administrativa Especial de Hong Kong, o novo órgão institucional chinês não está sujeito às instâncias judiciais do território e tem poderes para enviar casos para a China continental, para serem apreciados e julgados por um poder judicial que responde apenas ao PCC. 

Tem como principal função monitorizar o cumprimento da nova lei e decidir se determinadas condutas incorrem na prática dos crimes de “secessão”, “subversão”, “terrorismo” ou “conspiração com potência estrangeira hostil”, cuja condenação pode ir até à prisão perpétua.

Para o movimento pró-democracia do antigo território britânico – devolvido à soberania chinesa em 1997 – e para Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, NATO ou Japão, a legislação viola o princípio “um país, dois sistemas”, põe em causa a independência judicial de Hong Kong e viola o estatuto de semiautonomia da região, definido pela Lei Básica.

O gabinete será comandado por Zheng Yanxiong, antigo secretário-geral do comité do PPC na província de Cantão, “especialista” em propaganda e grande crítico dos media internacionais. Foi vice-ministro da Comunicação de Cantão entre 2013 e 2018, colaborou durante vários anos com a repartição local do Diário do Povo – o jornal oficial do partido – e tornou-se célebre ao dizer que “os porcos vão voar antes de a imprensa estrangeira ser de confiança”.

Zheng teve ainda um papel importante na repressão aos protestos anti-corrupção e aos levantamentos populares na aldeia de Wukan, em 2011. A “experiência democrática” daquela localidade piscatória de Cantão ainda durou cinco anos, mas acabou definitivamente esmagada pelos líderes partidários locais.

“Para além de pertencer à ‘linha dura’ [do PCC], Zheng tem experiência em lidar com a comunicação social de Hong Kong. A sua nomeação pode parecer uma surpresa, mas, olhando para o seu percurso, dá para compreender por que é que foi escolhido”, explicou ao South China Morning Post o professor da Universidade de Direito de Beihang, em Pequim, Tian Feilong.

“Zheng manteve-se sempre firme, independentemente daquilo que os media de Hong Kong escreveram sobre ele. Conquistou a confiança da liderança do partido”, acrescentou o académico. 

Zheng Yanxiong será auxiliado nas suas novas funções por outros dois homens de confiança do PPC: Sun Qingye, ex-funcionário da agência dos serviços de Informação da China, e Li Jiangzhou, membro do gabinete de representação política chinesa em Hong Kong e especialista em Segurança Interna.

“Missão crítica”

Na inauguração do novo gabinete, no antigo hotel Metropark, marcaram presença alguns quadros de topo da administração central da China, como Chen Siyuan, responsável pela Segurança Interna do país, ou Ma Yinming, representante do comité anti-corrupção do PCC.

“A sua presença mostra que, aos olhos de Pequim, a segurança de Hong Kong é uma missão crítica”, disse ao SCMP uma fonte que marcou presença no evento, que falou em condição de anonimato.

Luo Huining, responsável máximo pela representação do Governo chinês em Hong Kong e novo conselheiro da chefe do executivo da cidade, Carrie Lam, foi um dos intervenientes na cerimónia de inauguração. Citado pelo Guardian, descreveu o novo quartel-general como um “guardião da segurança nacional” e denunciou os críticos de Pequim.

“Aqueles que têm segundas intenções, que são anti-China e que procuram destabilizar Hong Kong, não só estigmatizaram o gabinete, como mancharam o sistema jurídico e o Estado de Direito na China, numa tentativa de despertar preocupações e medos desnecessários nos residentes de Hong Kong”, afirmou Luo.

Desde a entrada em vigor da nova legislação, a polícia de Hong Kong fez quase 400 detenções, dez das quais por suspeitas de ameaças à segurança nacional. Tong Ying-kit, de 23 anos, foi a primeira pessoa a ser acusada no âmbito da nova legislação, e pode enfrentar prisão perpétua pelos crimes de “terrorismo” e “incitação à secessão”.

Hino de protestos proibido

No mesmo dia em que o novo gabinete ficou operacional, as autoridades de Hong Kong anunciaram outras duas medidas controversas, tomadas no âmbito da nova lei: a obrigação de todos os funcionários públicos contratados a partir de 1 de Julho jurarem fidelidade à cidade; e a proibição do hino “Glória a Hong Kong” nas escolas.

A canção tornou-se um símbolo dos protestos de 2019, quando milhares de activistas pró-democracia saíram diariamente às ruas para protestar contra a lei de extradição que Pequim tentou impor à região administrativa.

“A música ‘Glória a Hong Kong’, que teve origem nos incidentes sociais de Junho do ano passado, contém mensagens políticas fortes e está relacionada com a violência e os incidentes ilegais que duraram vários meses”, afirmou o secretário da Educação de Hong Kong, Kevin Yeung, no Parlamento local, citado pela Reuters.

Com a entrada em vigor desta medida, acrescentou Yeung, as escolas têm indicações para impedir que os estudantes cantem ou divulguem músicas que “perturbem o normal funcionamento das escolas, afectem as emoções dos estudantes ou contenham mensagens políticas”.

Com Pedro Bastos Reis

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