Prédio construído junto à igreja de Caxinas está ilegal
Tribunal deu razão a grupo de cidadãos que começou a contestar a obra assim que viu o prédio a erguer-se a escassos quatro metros do adro da igreja das Caxinas. Câmara de Vila do Conde ainda não tomou posição
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou nulos todos os actos administrativos com que a Câmara de Vila do Conde autorizou a construção de um edifício de cinco andares, para habitação e comércio, a escassos quatro metros do adro da icónica igreja de Caxinas, a Igreja do Senhor dos Navegantes. Cinco anos depois de uma acção popular, intentada por um grupo de cidadãos das Caxinas, a contestar a legalidade daquele edifício, a justiça validou a maioria dos argumentos invocados: o alvará é ilegal, os seus aditamentos também, e todos os actos administrativos posteriores, nomeadamente as inscrições prediais que lhe seguiram devem ser canceladas. O tribunal só não acatou o pedido de demolição imediata do imóvel, dizendo que esta só deve acontecer em última instância e se o promotor não conseguir, junto da Câmara de Vila do Conde, legalizar a obra.
Contactada pelo PÚBLICO, a autarquia, presidida pela independente Elisa Ferraz, ainda não se pronunciou sobre esta decisão, pelo que não se sabe se vai acatar a decisão ou se pretende avançar com um recurso da sentença. Também o grupo de cidadãos que intentou a acção popular pondera avançar para um recurso mas primeiro quer ver os passos que vão ser dados pelo município. “Vamos esperar pela resposta que a câmara vai dar a este processo e perceber como vai resolver o problema. A sentença é clara, o prédio está irregular e precisa de ser agora legalizado”, afirmou ao PÚBLICO Fernanda Araújo, porta-voz do movimento.
Em causa está, então, a construção de um edifício de cinco andares, com 12 residências e quatro áreas comerciais, que ocupa uma área de 3238 metros quadrados, num lote de terreno contíguo à igreja do Senhor dos Navegantes, a igreja em forma de barco construída em 1985 e que desde então é símbolo daquela localidade piscatória e serve uma comunidade de mais de 20 mil cidadãos.
O tribunal entendeu que o município de Vila do Conde não poderia ter feito uso de um loteamento de 1983, caducado em 1991, para permitir, já a partir de 2008, o desenvolvimento de um projecto de construção. “Ao “ressuscitar” um processo urbanístico “morto” – que o tribunal volta, agora, a mandar “sepultar” – a autarquia escancarou as portas a um prédio que não precisaria de cumprir o Plano Director Municipal de Vila do Conde (só publicado em 1995) no que ao afastamento entre construções diz respeito. “O que levou a que, perante os olhos de todos, no início de 2015 tivesse começado a ser erguido um mamarracho a 4 metros do muro da igreja”, escreve o movimento de cidadãos, no comunicado em que tornou pública a sentença.
Nesse mesmo comunicado o movimento os não deixa de recordar que a câmara de Vila do Conde foi alertada para estas ilegalidades e que não só as negou como acabou por permitir que o prédio fosse construído, acordando mesmo uma indemnização com o seu promotor, paga com dois terrenos urbanos no centro de Vila do Conde. “Foi esta a compensação por algumas cedências feitas, em Caxinas, pelo promotor de uma obra que, como vemos, não poderia ter sido sequer iniciada”, escreve o movimento.
Estas compensações surgiram após a contestação pública e que levou a autarquia a negociar com o promotor a diminuição da volumetria do edifício. O projecto foi alterado e a obra parcialmente demolida para garantir uma distância maior de afastamento da igreja. Ainda assim, confirma o tribunal, que analisou o projecto que acabou construído com um volume de 5520 metros quadrados, “a fachada lateral contígua à igreja teria que ter um afastamento superior”.
Agora, e com a primeira sentença do tribunal a dar-lhes razão, o movimento de cidadão refere que se todo o processo urbanístico – um novo loteamento, obrigatoriamente – tivesse sido iniciado em 2008 nunca o prédio poderia ter sido aprovado com uma distância de quatro metros ao adro da igreja pois violaria o Plano Director Municipal em vigor.
Agora, o mal já está feito e os cidadãos não deixam de fazer uma leitura bastante crítica ao facto de se continuar a defender que as decisões de demolição só devem ser tomadas em último caso, por darem “um sinal de desvalorização do cumprimento da lei e do ordenamento do território no momento do licenciamento de uma construção”. “Sem uma penalização atempada destes actos que violam a legislação, a mensagem que passamos aos cidadãos é de que vale pena prevaricar porque um dia, eventualmente, o assunto se resolverá, até com outros decisores políticos que nada têm que ver com estes ‘pecados velhos'”, lê-se no comunicado.