A arte pública vai converter vários espaços de Guimarães num só: o Bairro C
As intervenções artísticas visam dar coesão e uma nova leitura urbana ao território entre a zona de Couros e a Avenida Conde de Margaride, a sul do centro histórico. Programa para 2020 já está desenhado, mas projecto estende-se até 2022. Valorização dos caminhos somente acessíveis aos peões é outro desígnio.
A última década foi de transformação para o território imediatamente a sul e a oeste do centro histórico de Guimarães, classificado como Património Mundial desde 2001. Algumas das fábricas posicionadas entre a zona de Couros e a Avenida Conde de Margaride, de curtumes, têxteis ou de plásticos, transformaram-se, por exemplo, no Centro de Ciência Viva, no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (CAAA) e na Casa da Memória. Já o Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG) ocupou o espaço do antigo mercado municipal. Garantidos esses novos usos à boleia da Capital Europeia da Cultura (CEC), em 2012, a câmara municipal quer agora reler o espaço público que povoa os intervalos entre tais edifícios: esse é o desafio do Bairro C.
“O grande objectivo é traduzir a estratégia que já está no território, assente na cultura, na ciência e na criatividade”, reitera Paulo Lopes Silva, adjunto da vereação da Cultura e um dos responsáveis pelo projecto. A criação em torno desse bairro vai-se prolongar até 2022, mas, por ora, só a programação de 2020 está definida; com orçamento de 40.000 euros para este ano, vai ser apresentada na segunda-feira.
A arte urbana é uma das feições mais palpáveis do denominado “ano semente”, diz o responsável da autarquia, e vai estar ao alcance do público a partir de 10 de Julho, data do arranque oficial do Bairro C. Em Couros, uma caixa de electricidade vai ter um grafitti alusivo aos videojogos, da autoria de Oker (Mário Fonseca). Na mesma zona, a arte abstracta de Contra e a contemplação da figura humana por Draw vão-se fundir num só grafitti, sobre uma parede amovível com 20 metros de extensão, detalha Paulo Lopes Silva. No jardim da Feira Semanal, vai surgir uma pintura mural colaborativa, coordenada pelo artista The Caver, no fim-de-semana de 11 e 12 de Julho. Até ao final do ano, prevêem-se mais duas intervenções, na Caldeiroa e na Conde de Margaride.
Mas as intervenções no espaço público não se resumem ao grafitti, nem à pintura mural. A ribeira de Couros vai ser iluminada e alguns dos tanques de curtumes que sobrevivem ocupados por uma das obras da Contextile, bienal de arte têxtil que se realiza de 05 de Setembro até 25 de Outubro, sob o tema “Lugares da Memória”. No âmbito da bienal, Couros vai também acolher um ciclo de cinema industrial, esclareceu Paulo Lopes Silva.
As conferências dedicadas à arte pública e ao usufruto das cidades também sobressaem no programa de 2020. É aí que a parceria com o curso de Artes Visuais da Universidade do Minho se materializa, graças à iniciativa “Drifting Bodies/Fluent Spaces”, entre 22 e 24 de Julho. O Instituto de Design de Guimarães vai receber o arquitecto italiano Francesco Careri, a artista norte-americana Karen O’Rourke e o fotógrafo português Duarte Belo para uma reflexão sobre as cidades vistas a partir da mobilidade do peão e do olhar artístico, refere ao PÚBLICO a directora do curso, Natacha Moutinho. “O trabalho da Karen tem influenciado a geografia, a partir das aproximações que os artistas fazem à ideia de mapa”, afirma.
Um dos exercícios que o curso de Artes Visuais tem proposto aos alunos, desde que se instalou em Guimarães, em 2018, é o de caminharem pela cidade, captando imagens ou sons. Natacha Moutinho frisa que os sons dos vários recantos vimaranenses podem contribuir para a melhoria do urbanismo. “Através dos sons, um investigador na área do urbanismo pode perceber melhor de que forma o material colocado no chão afecta a qualidade sonora da nossa experiência no espaço”, sugere.
Valorizar “espaços invisíveis”
As intervenções artísticas ao abrigo do Bairro C podem também ser “pretexto para pequenas reabilitações que tornam o quotidiano da cidade mais funcional”, considera Ricardo Rodrigues, arquitecto da câmara de Guimarães, ligado ao Gabinete de Couros – Sítios Patrimoniais. A intervenção da Contextile nos tanques, por exemplo, envolve a retirada de gradeamentos, a correcção de muros e a pavimentação de algumas áreas, adianta.
Mas o impacto urbano do projecto também se alastra aos caminhos exclusivamente usados pelos peões, às vezes “mal vistos” pela população, refere o arquitecto. “O Bairro C apoia-se muito numa circulação desligada do carro”, vinca, dando o exemplo das zonas de Couros e da Caldeiroa, “invisíveis para quem passeia de carro”. Para a zona ser ainda mais acessível aos peões, é preciso reabrir o túnel sob a Avenida D. Afonso Henriques, frisa Ricardo Rodrigues; o objectivo é que a passagem seja desbloqueada aquando da reabertura do Teatro Jordão, agora prevista para 2021.
O Bairro C vai prosseguir no próximo ano, com um programa dedicado à comemoração dos 20 anos de Património Mundial da Humanidade. Já o ano de 2022 vai servir para fazer o balanço da CEC, uma década depois, esclarece Paulo Lopes Silva, vincando o propósito de dar mais coesão a Guimarães. “Queremos que o Bairro seja a metáfora que supera a descontinuidade e o isolamento destas várias coisas”, resume.