ONG denuncia tortura e mortes em centros de detenção arbitrária no Iémen
Crimes cometidos nos últimos quatro anos são atribuídos ao Governo do Presidente Mansour Hadi, à coligação liderada pela Arábia Saudita e aos rebeldes houthi. Disseminação da covid-19 nos centros de detenção faz temer o pior.
Nos últimos quatro anos, foram detidas mais de 1600 pessoas de forma arbitrária no Iémen e há registo de pelo menos 66 mortos em centros de detenção ilegais, 770 desaparecimentos e 340 casos de tortura cometidos pelos dois lados da guerra civil no país.
Estes números constam de um relatório publicado esta terça-feira pela Mwatana, um organização não-governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos, sedeada no Iémen, que denuncia possíveis crimes de guerra cometidos nos últimos anos.
Desde 2015 que o Iémen está mergulhado numa sangrenta guerra civil que opõe os rebeldes houthi, apoiados pelo Irão, ao Governo do Presidente Abdu Mansour Hadi, apoiado por uma coligação internacional liderada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos.
O relatório da Mwatana refere-se ao período compreendido entre Maio de 2016 e Abril de 2020. Na primeira parte do relatório, a ONG avaliou 11 centros de detenção não oficiais, onde centenas de pessoas foram detidas arbitrariamente, torturadas e, em alguns casos, acabaram por morrer. Na segunda parte, a organização denunciou centenas de desaparecimentos de opositores nas áreas controladas pelas partes envolvidos no conflito.
De acordo com esta ONG, os rebeldes houthi são responsáveis pela maioria dos crimes, nomeadamente por 904 detenções arbitrárias, 353 desaparecimentos, 138 casos de tortura e 27 mortes sob detenção.
A coligação internacional liderada por Riade é acusada de 419 detenções, 327 desaparecimentos, 141 casos de tortura e 25 mortes de pessoas detidas ilegalmente. Já o Governo do Presidente é responsabilizado por 282 detenções, 90 desaparecimentos, 65 casos de tortura e 14 mortes.
Para chegar a estas conclusões, a Mwatana visitou os centros de detenção e entrevistou milhares de ex-prisioneiros, familiares das vítimas, testemunhas nos locais, activistas e advogados.
“Nestes centros não oficiais, cuja utilização expandiu-se durante a Guerra do Iémen, as ONG e os familiares raramente têm acesso aos prisioneiros”, afirmou Osamah Alfakih, responsável pela área de advocacia da Mwtana, ao The Guardian. “O número de mortes sob detenção é enorme e reflecte claramente a atitude desrespeitadora por parte dos lados envolvidos no conflito relativamente aos direitos humanos”, acrescentou.
Libertação de todos os prisioneiros
Com a pandemia de covid-19 a espalhar-se no país, a preocupação das organizações de defesa dos direitos humanos que actuam na região tem vindo a aumentar.
Devido aos poucos testes realizados no país, aliada à recusa por parte das partes envolvidas na guerra em facultarem informação transparente, é difícil saber a dimensão exacta da covid-19. No entanto, há muito que os hospitais iemenitas deixaram de conseguir dar resposta à elevada procura e teme-se que o número de mortos seja muito superior aos dados oficiais – segundo a Universidade Johns Hopkins, o país regista apenas 1128 infectados e 304 mortos.
As prisões sobrelotadas geram particular preocupação e, por isso, a Mwatana pede a libertação imediata de todos os prisioneiros detidos arbitrariamente.
“As vítimas têm sido submetidas a terríveis torturas. É necessária uma acção urgente para libertar todos os prisioneiros detidos arbitrariamente, dada a crescente disseminação da covid-19 nos centros de detenção e o perigo que a doença representa para os detidos”, afirmou Radhya Al-Mutawakel, director da Mwatana.
A situação tornou-se ainda mais grave quando a ONU admitiu, no início do mês de Junho, que está a ficar sem fundos para ajudar a população vulnerável do país. Segundo a organização liderada por António Guterres, mais de 24 milhões de pessoas, 80% da população do país, depende de ajuda humanitária para sobreviver.