Esta educação não é para todos
O ensino à distância foi uma solução de recurso. Um mal menor. Não pode prevalecer na relação das escolas com os seus alunos.
Portugal tem feito progressos indesmentíveis no campo educativo. Contudo, persistentes e novas desigualdades marcam também esses avanços. É isso que nos diz, por exemplo, o último PISA (OCDE) e também a análise aos dados, a partir das provas finais de 2019, sobre os percursos (diretos) de sucesso.
Um desses progressos foi o aumento dos inscritos no ensino superior, mesmo tendo em conta as inadmissíveis oscilações no ingresso. Claro que continuam a estar sobrerrepresentados os filhos das classes médias qualificadas, mas é também reconhecida uma dinâmica de alargamento social, na qual temos que persistir.
Se o rumo desejado é o de uma escola para todos, a pandemia que se instalou nos últimos meses ameaça não só esta abrangência como o cumprimento das suas funções, em que o elevador social é uma das principais, mas não a única.
Saliento algumas preocupações com as desigualdades verificadas no sistema educativo na presente situação:
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Os contextos e recursos das famílias traduzem-se de uma forma muito direta no sucesso e percursos escolares dos seus filhos. Quando se transfere a sala de aula para o seio familiar, os processos de aprendizagem ficam mais desiguais e dependentes dos contextos familiares. Tais desigualdades tendem a agravar-se na combinação com outras, como as de género e de etnia.
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Também do lado dos professores e das escolas, existem realidades e capacidades instaladas muito desiguais para lidar com o ensino à distância. Mesmo assim, o esforço levado a cabo revelou um processo de adaptação difícil de encontrar na nossa história recente.
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Portugal nas últimas décadas teve uma das maiores reduções do abandono escolar na Europa, afastando-se das últimas posições, onde ainda estão Espanha, Malta, Roménia ou até mesmo Itália. Pelo nosso histórico, não é uma vitória já ganha, mas é, seguramente, mais que um empate. A interrupção de todas as atividades escolares presenciais (e não só as aulas) promove uma desassociação das escolas com os alunos em risco de abandono. Estes tornam-se uma abstração com pouco reconhecimento.
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Outra, é que não podemos retirar à escola um dos seus desideratos principais, o seu papel fundamental na socialização de crianças e jovens. Por isso, o ensino à distância foi uma solução de recurso. Um mal menor. Não pode prevalecer na relação das escolas com os seus alunos.
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O acesso às tecnologias de informação por parte das famílias é muito diferenciado. A desigualdade regional no acesso a infraestruturas digitais é também evidente. O contributo das tecnologias de informação deve jogar-se, pelo contrário, a favor de uma estratégia de inclusão escolar.
Posto isto, quais os sentidos para a minimização destes impactos? Parte serão dados pelo diagnóstico mais completo deste episódio, mas por agora elencam-se algumas vias de atuação.
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Os instrumentos do ensino à distância não podem vir no sentido da desvalorização do espaço escolar e de um dos seus principais agentes, os professores. Estes devem ser capacitados, nomeadamente nas tecnologias, para continuarem a ser mediadores chave na relação educativa.
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Turmas mais reduzidas beneficiam os alunos mais vulneráveis e desfavorecidos. Esta é uma conclusão estudada e será ainda mais relevante se tivermos que agilizar processos de ensino à distância.
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O reforço de um plano tecnológico para as escolas é um imperativo para a equidade no acesso a instrumentos digitais. Uma ambição interrompida e que agora temos de enfrentar. Tal plano deveria incluir as próprias famílias.
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A administração escolar deverá estar, não apenas dotada de sistemas de informação, mas também de comunicação com os seus alunos (como a atribuição de email institucional para todos). Estas medidas poderão ser boas aliadas a uma estratégia de evitamento do abandono escolar.
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As escolas devem ter recursos reforçados se demonstrarem estratégia e capacidade para combater as desigualdades.
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O alargamento da Ação Social contribui para apoiar as famílias debilitadas pela crise e evitar o abandono escolar.
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A promoção do acesso ao ensino superior, mesmo para os que estiveram numa via profissional ou noutros circuitos do sistema, é determinante. Aceitando os defeitos do atual modelo de acesso, seria crítico grandes alterações numa altura já de si tão conturbada. A prioridade dada ao acesso é justificada. Também aqui temos feito avanços. Um passo atrás resultaria num recuo difícil de calcular. É bom não entrarmos num comboio descendente, onde passaremos a ser, no pior dos seus sentidos, menos europeus.
Nota adicional: os rankings, sem a devida contextualização, são instrumentos pobres para análise e monitorização de algumas destas dinâmicas. A imprensa tem empenhado esforços para lhe garantir mais substrato. Não falando agora tanto da bondade destas ordenações de escola, estas podem, não só tornar invisíveis os principais problemas de desigualdade no sistema, como reforçá-los na própria rede escolar. Fica também uma grande curiosidade sobre os rankings das escolas do presente ano: como serão? Espero que não se tornem (ainda mais) num ranking das famílias.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico