Será necessário punir o cão para o educar?
O treino baseado no reforço positivo é inquestionavelmente um método de treino produtivo, eficaz e rápido que desenvolve um relacionamento de confiança mútua e respeito pelo animal que vive connosco.
Existe, infelizmente, abuso de cães feito sob o nome “treino”. A linha que divide o que é abuso e o que é tido como “treino” é ténue e confusa. O que fazemos a animais sencientes deveria ser legislado. Não podemos aceitar que alguém que bata num cão seja acusado de maus-tratos, mas se essa pessoa fizer o mesmo envergando uma camisola a dizer “treinador” e disser que é para treinar o cão isso já é visto como aceitável.
Toda a gente sabe que é crime bater noutro adulto e que nunca podem alegar que deram uma palmada educativa na esposa ou no marido. No entanto, essas mesmas pessoas batem nas crianças e nos cães usando a palavra educação como justificação. Cada vez mais devemo-nos afastar da ideia que violência física (e uma palmada recai neste espectro) é uma forma de educação.
Um cão que ladra a outros cães, na esmagadora maioria das vezes, fá-lo porque tem medo destes ou não aprendeu como se relacionar. Sujeito a punições, o mesmo até pode deixar de ladrar, por receio da dor causada pela palmada, pelo esticão da estranguladora ou pelo choque do colar, mas não vai perder o medo de outros cães — e vai continuar a senti-lo. O que ele também não aprende é o que fazer quando vê outros cães, nem para superar o medo que sente deles, ao mesmo tempo que não aprende os comportamentos que consideramos aceitáveis nessas situações.
Punições são formas de violência que, na melhor das hipóteses, suprimem comportamentos temporariamente e causam outro tipo de problemas bem mais graves a nível comportamental — e, na pior das hipóteses, destroem o comportamento do seu cão. De acordo com o estudo The effects of using aversive training methods in dogs — A review (Gal Ziv et al, 2017), o uso de métodos aversivos (ou punitivos) é prejudicial para a saúde física e emocional do cão. O estudo também afirma que os usos de métodos baseados em reforço positivo são mais eficazes e não incorrem nos mesmos riscos.
Não existe, dentro da comunidade de treinadores e especialistas em comportamentos profissionais e actualizados, um debate sobre a necessidade do uso de ferramentas ou técnicas punitivas. Esse debate já está ultrapassado e comprovado cientificamente. Não existem dúvidas, para quem estuda, que educar e ensinar cães deve ser feito unicamente através de reforço positivo. Cabe aos profissionais aprender a fazê-lo.
A falta de regulamentação da actividade de treinadores leva a que as burlas sejam diárias — e não faltam pessoas que pagam a outras que nada sabem acerca de ciência da aprendizagem animal ou de comportamento de cães. Estes “treinadores”, como disse Karen Overall, “não lêem um livro, assistem a conferências ou tiram cursos relacionados com treino e comportamentos de cães há pelo menos 20 anos”. As consequências, para o cão e a família, de contratar pessoas que usam métodos punitivos, na melhor das hipóteses, implicam a destruição do relacionamento com o seu cão e, na pior das hipóteses, este desenvolve problemas graves, como comportamentos agressivos.
O treino baseado no reforço positivo é inquestionavelmente um método de treino produtivo, eficaz e rápido que desenvolve um relacionamento de confiança mútua e respeito pelo animal que vive connosco. Ao invés de esperar que o cão faça algo errado para ter a oportunidade de punir, treinadores positivos investem o seu tempo a ensinar ao cão comportamentos adequados, de forma a que este aprenda o pretendemos dele. Temos uma educação pró-activa, ao invés de reactiva.
Quando tiveres que escolher como educar e ensinar o teu cão, lembra-te que ele é um animal de uma espécie diferente, que confia totalmente em ti e, como tal, deve ser ensinado com respeito. E isso é não só possível como imperativo.