Governo arrisca e escolhe Centeno sem surpresa
Sempre que houver um problema com um banco, o que infelizmente não é improvável, Mário Centeno será visto como alguém do círculo próximo de António Costa e não como um quadro com altas referências académicas ou pergaminhos políticos no mundo das Finanças.
Estava há meses escrito nas estrelas e, esta quinta feira, o primeiro-ministro demoliu as últimas dúvidas que pudessem subsistir: Mário Centeno vai ser governador do Banco de Portugal. Vai sê-lo perante críticas sobre a sua opção por sair do Governo; vai sê-lo quando o Parlamento aprovou na generalidade uma proposta de lei que visa criar um período de nojo para travar o trânsito directo entre o Governo e entidades reguladoras; vai sê-lo contra a opinião dos partidos com assento parlamentar. Para um Governo minoritário, a decisão é uma prova de força, de confiança ou de soberba. António Costa tinha levado longe de mais a defesa do seu ex-ministro das Finanças para poder recuar sem ter de pagar o ónus de uma derrota política.
O que importa agora saber é se esta decisão fecha um capítulo ou se abre uma nova página no clima político. A nomeação de Mário Centeno tem a seu favor um currículo, principalmente o que foi preenchido ao longo de cinco anos no Ministério das Finanças. É uma garantia de competência, mas não basta para reunir todas as condições para um cargo frequentemente exposto às influências das políticas do Governo. Centeno nomeou os auditores que o vão fiscalizar, decidiu sobre o Novo Banco ou sobre a CGD, pronunciou-se sobre o Montepio e agora vai ter muito provavelmente de decidir como supervisor sobre as suas próprias decisões enquanto ministro. Fá-lo-á com competência, certamente; usará todo o escrúpulo, não se duvida; perseguirá o interesse público, com certeza. Mas na alta esfera da regulação seria sempre melhor encontrar alguém sem um passado a defender.
O Governo não quis seguir esta leitura e tem legitimidade para assim decidir. Mas pagará um preço político pela sua decisão. Sempre que houver um problema com um banco, o que infelizmente não é improvável, Mário Centeno será visto como alguém do círculo próximo de António Costa e não como um quadro com altas referências académicas ou pergaminhos políticos no mundo das Finanças. Numa altura em que precisa mais do que nunca de apoios (agora à esquerda, mais à frente do PSD) para governar em acalmação, criou um pequeno espinho que vai irritar os seus parceiros e ainda mais os seus adversários. Por muito que Centeno não desmereça o lugar, há no ar muitas opções que desaconselhavam a sua escolha. O primeiro-ministro não foi por aí e a sua escolha não é o fim do mundo: é apenas uma opção politicamente errada, que nem protege a credibilidade da supervisão bancária, nem a consistência do Governo.