Presidente do Kosovo acusado de crimes de guerra por tribunal de Haia
Hashim Thaci foi comandante da guerrilha na guerra de 1998-99 e desde a independência que se tornou no seu homem forte. O Presidente soube da acusação quando se dirigia para os EUA, onde se vai encontrar com os homólogos americano e sérvio.
O Presidente do Kosovo, Hashim Thaci, foi acusado de crimes contra a humanidade e de guerra pelo procurador de um tribunal internacional especial em Haia, nos Países Baixos. O chefe de Estado soube-o esta quarta-feira da acusação quando se dirigia para os Estados Unidos, onde este sábado se vai encontrar na Casa Branca com o Presidente americano, Donald Trump, e o seu homólogo sérvio.
O antigo comandante da guerrilha Exército de Libertação do Kosovo na guerra de 1998-1999 é acusado, em conjunto com outros nove ex-comandantes, de ser “criminalmente responsável por quase 100 assassínios” de kosovares albaneses, sérvios, roma e outras etnias no curto mas sangrento conflito, diz o New York Times. Além disso, é acusado de tentar obstruir o trabalho do tribunal.
Vários diplomatas denunciaram que Thaçi ordenou detenções, assassínios e purgas dentro das fileiras da sua própria organização, numa tentativa de afastar possíveis rivais, diz o jornal norte-americano. O Presidente nega as acusações e ainda não reagiu publicamente ao anúncio do procurador.
As acusações foram entregues à Câmara Especial para o Kosovo, um tribunal dedicado a crimes de guerra cometidos pelos kosovares albaneses, diz o comunicado do gabinete do procurador, e ainda terão de aceites, por o pré-julgamento ainda não ter sido realizado – terá de o ser nos próximos seis meses, a contar do dia de entrega da acusação, 24 de Abril.
No entanto, o procurador justificou o anúncio das acusações antes destas serem confirmadas “por causa dos repetidos esforços feitos por Hashim Thaçi e Kadri Veseli [deputado no Kosovo e ex-director das secretas do país] de obstrução e debilitação da investigação”.
Os dois líderes kosovares são acusados de terem encetado uma “campanha secreta” para alterar a lei e, assim, evitar que fossem acusados. E, no passado, o agora Presidente foi acusado de liderar um grupo albanês de “tipo mafioso", responsável por tráfico de armas, drogas e órgãos humanos no Leste da Europa.
“Ao tomarem essas acções, o senhor Thaçi e o senhor Veseli puseram os seus interesses pessoais à frente das vítimas dos seus crimes, do Estado de Direito e de todas as pessoas do Kosovo”, lê-se no comunicado, citado pela BBC. “[A acusação] é o resultado de uma longa investigação e reflecte a determinação da SPO [Gabinete Especial do Procurador] da Câmara Especial para o Kosovo, de que pode provar todas as acusações para além de dúvidas razoáveis”.
Desde o fim da guerra que Thaçi está à frente do destino do país e, em 2016, ganhou as últimas eleições presidenciais. À semelhança de outros comandantes e figuras destacadas da guerra, reinventou a sua imagem e, na Sérvia, é olhado como exemplo de como duplo padrão. É que, antes da intervenção da NATO, em 1999, o Exército de Libertação do Kosovo levou a cabo uma campanha de guerrilha contra os sérvios, sendo acusada de crimes de guerra.
“A maioria das pessoas na Sérvia acham que Thaçi é um criminoso de guerra por condenar e que personifica os duplos padrões da justiça do vencedor”, disse ao jornal americano Ljiljana Smajlovic, presidente da Associação de Jornalistas Sérvios. “Ele quer agora esquecer o seu passado e ser legítimo e não há dúvida de que é sincero nisso. Mas todos os senhores da guerra da antiga Jugoslávia reinventaram-se como democratas liberais”.
Mas Thaçi pôs de lado essa caracterização e, ao longo do tempo, tem reafirmado orgulho no seu passado e de ter combatido no lado certo a história. “Lutei no lado certo da História, libertei o meu povo da tirania de um inimigo impiedoso dedicado a uma tentativa de genocídio”, disse numa entrevista, citada pelo New York Times.
É e quer ser visto como estadista no Kosovo e soube da acusação quando se dirigia para os Estados Unidos, onde se vai encontrar este sábado com o Presidente americano, Donald Trump, e o sérvio, Aleksandar Vucic, para se tentar ultrapassar diferendos territoriais.
A Sérvia ainda considera o Kosovo parte integrante do seu território, apesar deste último se ter separado da primeira depois dos bombardeamentos da NATO. Mais tarde, em 2008, o Kosovo declarou a independência e, caso se ultrapasse o diferendo, os dois países poderão estabelecer acordos comerciais, reconhecerem-se mutuamente e até aderir à União Europeia.
A ser bem-sucedido, será uma vitória para Trump em ano de presidenciais e uma das suas principais vitórias diplomáticas nos Balcãs, pondo mesmo em causa a União Europeia, uma vez que há anos trabalha para se sarar o diferendo, sem sucesso. “Se, e é um grande ‘se’, esta iniciativa for bem-sucedida, vai ser algo como um estalo na cara da UE e dos seus muitos anos de esforços a tentar normalizar as relações entre Belgrado e Pristina”, disse ao Guardian Corina Stratulat, do European Policy Centre, sediado em Bruxelas, na Bélgica.