Marcelo veta lei dos sócios-gerentes aprovada por coligação negativa “para a salvar”
Presidente considera proposta “socialmente relevante” mas ferida de inconstitucionalidade e sugere que os partidos avancem em sede de alteração do Orçamento Suplementar. Partidos assumem propostas, PCP critica Marcelo e quer que Parlamento confirme a lei.
O Presidente da República vetou o diploma que alargava os apoios previstos para o layoff simplificado aos sócios-gerentes, aprovado no Parlamento com os votos contra do PS, justificando a devolução do texto à Assembleia da República com a lei-travão do Orçamento de Estado 2020.
Fê-lo “para a salvar, porque no Tribunal Constitucional estava morta”, como explicou ao PÚBLICO fonte da Presidência. Em Belém, a convicção é que o PS iria recorrer ao Tribunal Constitucional, colocando em causa os seus efeitos. O veto "dá uma chance de diálogo para ultrapassar o problema da constitucionalidade” aos partidos, disse Marcelo Rebelo de Sousa à RTP.
Na mensagem enviada ao Parlamento, o chefe de Estado considera que o diploma, embora “socialmente relevante”, tem suscitado, “todavia, dúvidas de constitucionalidade por eventual violação da lei-travão ao poder envolver aumento de despesas previstas no Orçamento de Estado para 2020, na versão ainda em vigor”, tal como argumentava o PS desde a aprovação do diploma.
Para contornar esse problema, sugere que “a proposta de lei do Orçamento Suplementar para 2020, que está a ser discutida na Assembleia da República pode, porventura, permitir ultrapassar essa objecção de constitucionalidade”, sabendo que o prazo para apresentação de propostas de alteração termina esta quarta-feira. “Tal caminho poderia poupar à Assembleia da República o ter de se pronunciar, novamente, sobre a matéria, confirmando o diploma mas deixando em aberto posterior controlo sucessivo da fiscalização da constitucionalidade”, escreve ainda Marcelo Rebelo de Sousa.
A lei em causa prevê que os sócios-gerentes das micro e pequenas empresas possam ter acesso ao regime excepcional aplicado aos trabalhadores independentes, sem ter em conta o número de funcionários que têm ao serviço ou a facturação anual. E foi aprovada a 28 de Maio - por proposta do PEV depois de um acordo conjunto do PAN e PSD, que também tinham propostas -, e apenas com os votos contra do PS. Já depois da votação, a bancada socialista assumiu, em comunicado, que o diploma aprovado “incorpora um forte risco de violação do disposto na Constituição” mas anunciou que ia esperar pela “decisão” do Presidente da República.
PCP critica Marcelo e PS acena com acordo
Ao longo da tarde, PSD, BE, PEV, CDS e PAN anunciaram que vão apresentar propostas de alteração no sentido sugerido pelo Presidente. Em sentido contrário, o PCP considera “inaceitáveis os fundamentos” para vetar a lei e vai propor que o Parlamento confirme a lei com uma nova votação.
O que está em causa, diz o líder parlamentar comunista num comunicado em vídeo, “é um apoio a quem faz descontos para a Segurança Social e que deve ter essa contribuição reconhecida”. Uma posição reiterada pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, para quem “basta repetir a votação no orçamento” ou reconfirmar o decreto se entretanto nessa votação algo acontecer.
“Estamos a lidar com um problema que não é pequeno. São empresas com sócios-gerentes onde existem um ou dois trabalhadores e aquilo que procurámos fazer, votando a favor da proposta, era que fosse considerado este problema de centenas de milhares de pequenos e micro empresários que não sabem o que hão-de fazer à vida”, afirmou Jerónimo de Sousa em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença que será divulgada na quinta-feira.
No parlamento, a questão pode agora jogar-se em dois planos: na discussão na especialidade do Orçamento Suplementar, onde estarão em discussão as propostas já anunciadas por PSD, BE, CDS, PEV e PAN, e na reapreciação da lei suscitada pelo veto presidencial. Foi preciso esperar pelo fim da reunião da delegação do PS com Marcelo para perceber que o caminho pode ser outro ainda.
“Essa matéria poderá ser, ou objecto de aprovação ao nível do Conselho de Ministros, ou presente nas negociações e no diálogo que se deve desenvolver no quadro parlamentar”, disse o presidente do PS, Carlos César, em Belém, referindo que “o Governo tem vindo a trabalhar nestas últimas semanas, na decorrência do que está consignado no Programa de Estabilização Económica e Social, medidas específicas para os trabalhadores independentes, para os trabalhadores informais, intermitentes, incluindo também a temática dos sócios-gerentes”.
Mas o mais provável é que a questão venha a ser dirimida no âmbito da discussão orçamental, já que a maioria dos partidos que viabilizaram a lei optaram mesmo pela solução proposta por Marcelo, que por seu lado deverá promulgar o Orçamento Suplementar sem suscitar problemas de inconstitucionalidade para não atrasar a entrada em vigor das medidas, sabe o PÚBLICO.
O líder do PSD, Rui Rio, não pretendia apresentar propostas de alteração, mas sentiu-se empurrado a fazê-lo “por causa do veto do senhor Presidente da República” e para “ultrapassar a lei-travão”. “Basta manter-se o consenso que existiu até agora no Orçamento Suplementar para garantirmos aos sócios-gerentes das micro e pequenas empresas o apoio de que precisam”, afirmou por seu lado a coordenadora do BE, Catarina Martins.
O PEV, autor da proposta consensualizada na especialidade e da qual resultou a lei vetada, apelou aos partidos que mantenham a coerência da votação anterior em sede de Orçamento Suplementar, enquanto CDS e PAN vão aproveitar a “boleia” para tentar alargar ainda mais os apoios do layoff. Com Maria Lopes e Lusa