“Os rituais são para o tempo o que uma casa é para o espaço. (…) Ordenam o tempo e desta forma fazem com que tenha sentido para nós. Ao tempo falta hoje uma estrutura firme. Não é uma casa, senão um fluxo inconstante.” Byung Chul-han, filósofo coreano-alemão
“Como se fosse uma casa”
Para o filósofo coreano-alemão Byung-chul Han, os rituais “tornam habitável o tempo, como se fosse uma casa”. Ao contrário do que se possa crer não cerceiam as nossas liberdades, antes “dão estrutura e estabilidade à vida” e permitem-nos experimentar o sentido de comunidade. “A digitalização descorporiza o mundo”, refere o pensador em entrevista ao jornal online El Manifiesto, replicada esta semana pelo site Conclusión. “Antes era todo um ritual ver um programa de televisão, a um determinado dia, a determinada hora, toda a família. Hoje pode ver-se um programa a qualquer hora, cada um para seu lado. Isso não significa que tenhamos mais liberdade”, refere Byung-chul. A pandemia do coronavírus, na sua obrigação de distanciamento social, impossibilita as famílias de cumprir muitos dos seus rituais, nomeadamente o de velar os seus mortos, de os sepultar: “Quando você não tem essa oportunidade de passar pelo processo de ver a pessoa ser enterrada, é como se aquela morte não tivesse acontecido”, diz a psicóloga Gilvania Carvalho, citada pelo jornal brasileiro Folha de Boa Vista. Como afirma o filósofo, que acaba de publicar em Espanha La desaparición de los rituales, “a pandemia completa o desaparecimento dos rituais”.
O vício de fazer canções
Não gosta de “canções bonitas” porque desconfia, por princípio, daquilo que é bonito. Mas Silvio Rodríguez, o mais alto representante da trova cubana que acaba de editar pela primeira vez um disco apenas em plataformas digitais, admite que Para la Espera está cheio de “canções suaves; introspectivas”, a que outros poderão chamar de canções bonitas. Aos 75 anos, em entrevista ao jornal argentino Página/12, explica que criar canções se tornou para ele “um vício”: “Ponho-me a brincar com a guitarra e saem harmonias em que, de vez em quando, as músicas se esboçam. Por vezes, dou com as palavras e outras não. E quando as encontro, aquela brincadeira torna-se canção que faz companhia às pessoas.” A canção passa a ser então de cada um que a ouve, passa a ser a sua companhia: “Na verdade, somos criadores de companhia, esse é o serviço que fornecemos, algo ligeiro que só precisa de um pedacinho de memória”, confessa. A pandemia não só lhe interrompeu a digressão de concertos gratuitos pelos bairros de Havana, que vem fazendo há dez anos, e travou os dois novos discos em que estava a trabalhar, como interrompeu o ritual das brincadeiras com a guitarra. Passa o tempo a escrever, a pintar, a gerir o seu blog (Segunda Cita) e a desfrutar da família.
A fuga ao aborrecimento
O artista plástico chinês Tianzhuo Chen reflecte bem o seu tempo, desdobrando-se criativamente por uma série de meios e de áreas, com trabalhos em vídeo, papel, fotografia, performances, mas também na moda e no circuito de discotecas. As festas do seu colectivo Asian Dope Boys ganharam reputação de “arrojadas, bizarras e quase bacanalianas”, muito solicitadas de Tóquio a Berlim, escreve o site Radii China, fundado pelo vice-presidente da gigante Ali Baba, Brian A. Wong. “Sou uma pessoa que se aborrece rapidamente com as próprias criações. Se continuo a fazer a mesma coisa, fico extremamente entediado. Daí que precise estar constantemente a mudar a minha identidade para ajustar o meu processo criativo”, diz o próprio. Ao Daily Beast explicou um dia que era um criador de “templos efémeros” que questionam “a fragilidade das nossas vidas contemporâneas e a decadência da moralidade e das crenças”. O seu trabalho explora o individualismo de uma geração criada num mundo de informação caótica e frenética e de experiências fragmentadas, uma vida despovoada de “mitologias e contos de fadas”, em que se controla o corpo como nunca antes se controlou, ao mesmo tempo que “o nosso espírito” está descontrolado como em nenhum momento da história.
O crepúsculo dos cinemas
Os cinemas começaram a morrer quando ir ao cinema deixou de ser um ritual. A sala escura dos grandes sonhos, do technicolor e dos 70 mm, foi-se empequenecendo, dividindo-se para sobreviver ou morrendo por falta de gente. O realizador Simon Edelstein acaba de editar em França um livro de fotografia que é uma viagem à volta do mundo em busca de salas fechadas e no que se tornaram. Inspirado pela imagem de Gloria Swanson que a revista Life, também ela extinta, fotografara entre as ruínas do Roxy Theatre, em Nova Iorque - inaugurado em 1927, o maior cinema do mundo, com lugar para 5900 espectadores, foi demolido em 1960. “Pessoas como eu, que queriam seguir cinema, tomaram consciência que um património do século XX estava a morrer”, conta Edelstein à revista Bilan. “Mantive a nostalgia das fileiras de cadeiras vermelhas e da cortina revelando lentamente o ecrã”, explica para justificar, aos 80 anos, este projecto pessoal de quase duas décadas agora editado: Le crepuscule des cinemas. Nas suas viagens começou por buscar os cinemas abandonados ou transformados em outra coisa, depois passou a fazer viagens só para os localizar. “O trabalho acidental tornou-se uma obsessão”, explica o fotógrafo que escolhe o Animatógrafo do Rossio, em Lisboa, como o seu cinema preferido.