Era assim no antigamente
Quando os amigos se viam, especialmente se tivesse passado algum tempo, davam grandes abraços e quase sempre em Portugal as pessoas cumprimentavam-se com um beijinho na face, mesmo se se tivessem acabado de conhecer.
Queridos netos, hoje vou contar-vos como é que as pessoas viviam antes da covid-19 e de termos todos que ter muito cuidado com o contágio das doenças pandémicas. As pessoas viviam mais despreocupadas, sabem? Ninguém usava máscara na rua, nem em lado nenhum. Aliás — por exemplo — usar máscara para ir ao banco era mesmo muito má ideia.
Quando algumas pessoas iam ao supermercado, peniscavam as uvas para ver se eram boas antes de comprarem um cacho inteiro – e faziam o mesmo com as cerejas ou as azeitonas. Bons tempos! Frequentemente, quando queríamos abrir um saco de plástico daqueles fininhos, molhávamos os dedos na boca para ser mais fácil abri-los, imaginem.
Quase toda a gente trabalhava em edifícios que pertenciam às empresas que os empregavam, não havia muito teletrabalho e a telescola era uma coisa fora de moda, que tinha acontecido século passado em Portugal, mas que já era considerada ultrapassada.
Ah, e as crianças? Essas então tinham uma vida bastante diferente. Às vezes pediam a colher de café dos adultos para lamberem os restinhos que eles deixavam e entre amigos pediam “dás-me um bocadinho da tua chicla?” se o parceiro parecesse muito satisfeito a mastigar uma pastilha. Quando as crianças tinham a cara suja, às vezes as mães limpavam-na com a sua própria saliva e havia tias de idade que davam umas beijocas nas suas bochechas tão molhadas que os meninos tinham vontade de limpar logo a cara com a mão — algo que as mães desaconselhavam, para não ofender os familiares.
Mesmo em termos religiosos, as coisas eram diferentes. Na Páscoa, havia sítios onde toda a gente beijava o mesmo crucifixo (assim mesmo, sem desinfectar nem nada!). Para demonstrar respeito ou adulação havia quem cumprimentasse bispos e os cardeais com um beijo no anel ou na mão – e eles não lavavam as mãos ou desinfectavam o anel entre cumprimentos. Eram tempos um pouco loucos.
Sabem que era vulgar as pessoas usarem em casa os sapatos com que vinham da rua? É verdade, o estranho era haver pessoas que pedissem aos convidados que os deixassem à porta e até havia pessoas que ficavam ofendidas e tudo.
Outra coisa que era muito, muito diferente eram as festas e o convívio com os amigos! Quando os amigos se viam, especialmente se tivesse passado algum tempo, davam grandes abraços e quase sempre em Portugal as pessoas cumprimentavam-se com um beijinho na face, mesmo se se tivessem acabado de conhecer.
Havia concertos com muita gente onde as pessoas se atiravam umas para cima das outras (era o chamado mosh), mas mesmo quando isso não acontecia os concertos e festivais tinham frequentemente uma lotação tão cheia como uma lata de sardinhas. Havia festas em que as pessoas tinham um molho ou paté e molhavam a mesma tosta ou batata duas vezes – isso nunca foi muito bem visto, mas acontecia. Quando o pessoal saia à noite, às vezes partilhava uma bebida - do mesmo copo e sem palhinha! E quando fumavam, podiam passar os cigarros (eram charros; eu depois explico quando os vossos pais não estiverem) entre amigos, assim mesmo de boca em boca.
E os aniversários? Quando as pessoas faziam anos, sopravam uma vela em cima do bolo que depois toda a gente comia! Toda a gente partilhava comida e os buffets eram uma coisa comum, em festas grandes como casamentos e baptizados, mas também nos hotéis ao pequeno-almoço e outros sítios. Era tão bom!
Eu sei que tudo isto parece bastante estranho, mas era mesmo assim que nós vivíamos. As pessoas adaptam-se rapidamente às novas realidades e esquecem depressa a maneira como se vivia, e por um lado ainda bem. Se não tivéssemos mudado alguns hábitos, se calhar já não estávamos aqui todos e certamente teria morrido muito mais gente em 2020. Fico muito contente de vos poder contar as minhas histórias do ano da pandemia. Agora vão andando que amanhã prometo que vos conto como era a vida antes de haver wi-fi, Google e smartphones. Vocês já não são do tempo dos smartphones? Ai, estou a ficar mesmo velha…