Pedrógão Grande: três anos passados, muda a folha
No grosso do território permanece uma epidemia de arvoredo ao abandono, onde material vegetal carbonizado persiste agora na companhia de material vegetal regenerado e de outro que, no pós-incêndio, vai invadindo os solos.
Assinalam-se hoje três anos sobre os trágicos acontecimentos em Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos. No rescaldo do grande incêndio de 2017, no território foi-se procedendo a algum controlo da vegetação em faixas, junto a caminhos, edificações e aglomerados populacionais. Todavia, no grosso do território permanece uma epidemia de arvoredo ao abandono, onde material vegetal carbonizado persiste agora na companhia de material vegetal regenerado e de outro que, no pós-incêndio, vai invadindo os solos.
Passados três anos, as folhas juvenis, sejam das varas de eucalipto que brotaram após o incêndio, sejam das sementes que germinaram, estão a ser substituídas por folhas adultas. Se as primeiras são menos sujeitas ao fogo, as segundas podem ser verdadeiros mísseis incendiários. Ou seja, na amálgama de eucaliptos ao abandono, o perigo vai crescendo a cada ano que passa. E esta espécie tem grande impacto territorial na região. Da área ardida em espaço florestal em 2017, o eucalipto estava presente em 63% da mesma.
Notícia recente dá conta de que esta espécie continua a merecer a preferência da maioria dos proprietários rústicos que apostam em produções lenhosas. A política florestal em curso, por acção e omissão, continua a favorecer esta opção.
Do que resulta de intervenção legal, condicionadas as novas plantações a mecanismos de compensação, a grande maioria das intervenções respeita a replantações de eucaliptal. Tomando como boa a notícia, poderíamos estar perante uma aposta na melhoria da produtividade média unitária nacional, prevista na Estratégia Nacional para as Florestas num mínimo de dez metros cúbicos por hectare e ano. Actualmente, é inferior a seis. Para o país com a maior área relativa de eucalipto a nível mundial, dispõe da mais miserável produtividade média unitária.
Na sequência da notícia, poder-se-á ainda induzir que agora o negócio da rolaria de eucalipto, onde há a possibilidade de recurso a fundos públicos, passa a ser racional. Suportada em critérios financeiros, decorrentes de modelos de condução cultural baseados nas melhores práticas conhecidas. Suportada ainda em critérios de análise comercial, num mercado a funcionar sob domínio de um duopólio industrial.
Infelizmente, a notícia não se afigura boa. Nas validações e autorizações reconhecidas oficialmente, nada do acima referido conta. Para as decisões oficiais é ténue a avaliação técnica, é inexistente a avaliação financeira e comercial. E os contribuintes são chamados a apoiar estas decisões.
Em todo o caso, o que tem sido validado ou autorização pode até parecer significativo, mas são apenas gotas num oceano. Estima-se que a área de eucaliptal ao abandono (a epidemia) atinja 2/3 da área ocupada em Portugal por esta espécie. Daí vem a produtividade média unitária miserável. Esta área de epidemia acaba por comprometer a área restante, seja pela mais fácil propagação dos incêndios (atente-se à sua expressão territorial), associada à capacidade de projecção de material em combustão (folhas e casca) em situação de incêndio, seja por constituir um verdadeiro viveiro para pragas e doenças associadas a esta espécie.
Se o impacto dos incêndios em eucaliptal tem vindo a acentuar-se, o impacto das pragas e doenças tem tido um crescimento exponencial. Parece que a ganância está a gerar uma espiral suicida. E os contribuintes são chamados a apoiar esta espiral.
Sobre a situação do território em Pedrógão Grande e nos concelhos limítrofes, têm sido várias as críticas à acção governativa. Ou melhor, à inacção, disfarçada em programas e planos. Mas, será que essas mesmas críticas, designadamente as oriundas do Parlamento, não são, em si, criticáveis por defeito?
Afinal de contas, as críticas incidem sobre parte do problema. Incidem maioritariamente sobre consequências. Várias das causas permanecem temas tabu. Como é que se procede a uma alteração da paisagem sem a presença de quem opere essa mudança? Como se assegura essa presença sem a alteração de uma realidade extractivista, que condiciona o rendimento à subsistência de famílias em meio rural? Como se induz a alteração da paisagem, mesmo com gente, sem mecanismos de assessoria técnica? Os serviços públicos têm sido dizimados, a sua “substituição” por intervenção autárquica ou do associativismo tem-se mostrado medíocre. Uma temática complexa, a abordar numa próxima oportunidade.