Partidos rivais de direita querem governar a Irlanda com os verdes
Acordo entre Fianna Fáil e Fine Gael prevê chefia rotativa do executivo entre Varadkar e Martin, mas ainda terá de ser aprovado pelos militantes dos três partidos e há dúvidas sobre o veredicto dos ecologistas. Sinn Féin promete a “oposição mais eficaz da História”.
Quatro meses volvidos da realização das eleições legislativas, a República da Irlanda está próxima de poder ter finalmente um novo executivo. A aliança inédita entre Fianna Fáil e Fine Gael, os dois principais partidos de direita do país e rivais durante décadas, foi reforçada com a associação ao Partido Verde, através da aprovação de um programa de governo conjunto na segunda-feira. Os militantes das três forças políticas ainda terão de aprovar o documento nos próximos dez dias e há dúvidas sobre o desfecho da votação interna dos ecologistas.
Nos termos do acordo, Micheál Martin, líder do Fianna Fáil e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, será taoiseach (primeiro-ministro) até ao final de Dezembro de 2022. O actual detentor do cargo e dirigente máximo do Fine Gael, Leo Varadkar, reassumirá essas funções a partir de 2023.
Um e outro partido não deverão ter dificuldades em conseguir o aval dos respectivos membros, mesmo perante um cenário em que se está a guardar na gaveta uma rivalidade histórica, em nome daquilo que Martin entende ser “uma obrigação para com o país”.
O maior obstáculo à aprovação do programa pode vir, no entanto, do Partido Verde, cujos regulamentos exigem que pelo menos dois terços dos membros (67%) dêem luz verde à entrada do partido na coligação. A abstenção de três dos seus 12 deputados na apreciação do acordo no grupo parlamentar ecologista atesta a existência de divisões internas, que podem ter representação na militância alargada.
“Se o acordo não for aprovado não teremos um novo governo e isso precipitará uma crise política”, alertou Varadkar, esta terça-feira, citado pelo Irish Times, depois de ter rotulado a apresentação do programa a três, na véspera, como um “momento histórico”.
“Será muito difícil vender [o programa] aos membros do Partido Verde”, assumiu à RTÉ, por sua vez, Saoirse McHugh, candidata derrotada ao Senado nas eleições de Fevereiro, pelos verdes.
Um potencial factor de pressão extra para os membros do Partido Verde é a última sondagem Ipsos MRBI, segundo a qual 48% dos seus eleitores defende que o partido se junte ao executivo, contra 28% que rejeita esse cenário.
Entre as medidas do programa que apelam ao eleitorado dos verdes, destacam-se a redução das emissões de carbono a uma média de 7% ao ano entre 2021 e 2030, a fixação de um rácio de investimento público que dá prioridade a infra-estruturas no sector dos transportes que não sejam rodovias, o aumento dos impostos aos poluidores, o fim da atribuição de licenças de exploração e extracção de gás natural e a proibição de registo de novos veículos movidos a combustíveis fósseis a partir de 2030.
O documento – intitulado Our Shared Future (O Nosso Futuro Partilhado) – inclui ainda uma série de apoios extraordinários no combate à covid-19, a promessa de 200 mil novos postos de trabalho até 2025, mais 50 mil novas habitações de âmbito social e a fixação de um limite para as mensalidades nas creches.
Muitas novidades
Apesar da importância fundamental do Partido Verde para o futuro da solução apresentada, a excentricidade da coligação tem sobretudo origem na concertação, anunciada em Abril, entre Fianna Fáil e Fine Gael, representantes dos diferentes lados da barricada na guerra civil irlandesa (1922-1923) e competidores crónicos pelo poder executivo há quase um século.
O Fianna Fáil elegeu 37 deputados – excluindo o speaker, que não vota –, o mesmo número de representantes logrado pelos nacionalistas de esquerda do Sinn Féin. Já o Fine Gael ficou-se pelos 35. Sem vontade de se sentarem à mesa com o antigo braço armado do Exército Republicano Irlandês, os dois partidos à direita decidiram juntar-se numa “parceria total e igualitária”.
Mas como também não têm deputados suficientes para alcançar a maioria dos 160 membros no Dáil Éireann (câmara baixa do Parlamento), fundamental para investir o novo governo, e perante a indisponibilidade dos Social-Democratas e do Partido Trabalhista para entrarem na coligação, Martin e Varadkar estenderam a mão ao Partido Verde e aos seus 12 deputados.
Confirmando-se a aprovação da nova coligação, que também deverá contar com apoio de alguns dos 20 deputados independentes, caso seja votada no Parlamento, confirma-se também que o Sinn Féin – o partido mais votado entre as primeiras escolhas dos irlandeses nas legislativas – será o principal partido da oposição na República da Irlanda.
Excluído do espaço político e mediático durante anos a fio, devido ao seu passado problemático e aos fantasmas do terrorismo ultranacionalista no país, o partido de Mary Lou McDonald promete ser um osso duro de roer para a direita irlandesa. Menos interessado na missão de reunificar a Irlanda e mais focado em temas relacionados com o Estado social, a habitação, a saúde ou a educação, o Sinn Féin já veio assumir uma posição crítica em relação ao programa de governo.
“[O programa] carece de detalhe, é ligeiro nos pormenores, nos números, nas metas, nas promessas e têm algumas omissões extraordinárias”, reagiu esta terça-feira McDonald, citada pelo Independent.
“É basicamente uma receita para o Fianna Fáil e para o Fine Gael se juntarem, trazendo os verdes para o Governo e garantindo, acima de tudo, que os dois velhos partidos conseguem manter o Sinn Féin de fora”, atirou a líder dos nacionalistas, que depois das eleições prometeu reunir apoios para uma coligação “arco-íris”.
E que, desta vez, deixou uma garantia: o Sinn Féin protagonizará a “oposição mais eficaz da História deste Estado”.